O Anjo da Igreja de Belém

Quanto cabe de saudade dentro de uma data? O 22 de outubro é, sem dúvida, um daqueles dias marcados da lembrança de um anjo que, cá na terra conosco esteve, e fez de Belém sua casa por mais de três décadas. Dom Vicente Zico chegou na capital paraense no começo do ano de 1981. Deixou esta cidade só quando partiu para a Pátria Celeste, donde ninguém nunca duvidou que lhe havia um lugar, em 04 de maio de 2015. Se vivo estivesse, em um dia como hoje (22/10), “Dom Zico” estaria celebrando conosco seus 70 anos de vida sacerdotal. Mas quem é que duvida que hoje o Céu une-se a nós, Igreja Celeste e Igreja Terrestre, unidas e alegres celebrando os 70 anos de um sacerdócio fecundo que deixou rastros de Deus em todos que direta ou indiretamente foram tocados por este servo de Deus?

Não há de se negar, o ministério sacerdotal de um padre ultrapassa a efêmera vida terrestre do mesmo. Quando fecundo, pode o padre não estar mais fisicamente conosco, mas seu legado permanece vivo em nosso meio porque transpareceu naquele sacerdote a face, o amor e o carinho de um Deus imortal.

Com Dom Zico foi assim: nascido em Luz-MG em 27 de janeiro de 1927, numa família católica, aprendeu de seus pais, Zico e Anita, o valor da fé e o dom da partilha com seus sete irmãos. No túmulo de sua mãe, no Cemitério de Bonfim-MG, compreendemos o contexto daquele lar: “Esposa e mãe, fez da vida um grande altar e fez do lar uma floração de amor dos oito filhos, que geração bendita! Uma filha é religiosa carmelita. E três filhos são Ministros do Senhor!”. De fato, Belchior e Tobias, seus irmãos, logo cedo descobriram a beleza do serviço ao Senhor e iniciaram os estudos no Seminário do Caraça, em Minas Gerais. Tocado pelas palavras lidas em cartas enviadas por seu irmão Belchior (que mais tarde tornou-se bispo também), Dom Vicente aos onze anos também foi para o mesmo Seminário de seus irmãos, posteriormente foi estudar Filosofia e Teologia no Seminário Maior de Petrópolis, da Congregação da Missão (Padres Lazaristas). Neste ínterim, viu eclodir a Segunda Guerra Mundial e a convocação para se alistar no serviço militar, o que exigiu-lhe pesados treinamentos e, pasme, até escola de tiros de guerra. Passou a guerra. Não passou, entretanto, a vontade do jovem Vicente de alistar-se ao exército de Nosso Senhor cuja conquista almejada eram almas, cada vez mais almas. E assim, em 22 de outubro de 1950, na cidade de Petrópolis, foi ordenado presbítero da Santa Igreja, recebendo o Sacramento da Ordem pelas mãos de Dom Jorge Marcos de Oliveira, então Bispo Auxiliar de São Sebastião do Rio de Janeiro. Era o começo de uma jornada de bênçãos.

O início do seu ministério sacerdotal foi marcado pela formação de novos padres dentro de sua congregação religiosa. O Padre Vicente Zico ocupou cargos de prefeito de Seminário e professor entre os estados nordestinos do Pernambuco, Maranhão e Ceará. Depois foi eleito conselheiro provincial da Província Lazarista do Rio de Janeiro, e posteriormente eleito conselheiro geral da Congregação da Missão, na Cúria Generalícia em Roma, Itália. E nesse cargo ele esteve até 05 de dezembro de 1980, quando foi nomeado pelo Papa João Paulo II, o Arcebispo Coadjutor da Arquidiocese de Belém-PA. Recebeu a ordenação episcopal um mês depois com outros dez bispos eleitos, na Basílica de São Pedro, em Roma, das mãos do próprio Papa, hoje santo, João Paulo II.

E, se é pelos frutos que conhecemos as árvores (Lc 6,44), não temos dúvida que a santidade de São João Paulo II, a quem Dom Vicente sempre devotou profundo amor filial, germinou também santidade no ministério do bispo mineiro que, no Pará, realizou-se.

Profundo devoto de Nossa Senhora, não tardou para que ele se apaixonasse pelas terras morenas onde encontrada foi, por um caboclo, a pequena imagem daquela que seria Rainha da Amazônia. Imaginemos quanta graça para um sacerdote, devoto da Virgem Santíssima, exercer seu ministério nesta Arquidiocese… “Cum Maria Matre Iesu”, seu lema episcopal que demonstrava o programa de sua vida: em Belém, caminhar sempre com Maria, a Mãe de Jesus.

Dos outubros que guardam histórias, chega também à memória a beleza do carinho de nosso povo por Dom Zico no momento que a Berlinda de Nossa Senhora de Nazaré ganha a Avenida homônima. A sacada de um apartamento no Edifício Manoel Pinto foi, por dez anos, a estação preferida do Arcebispo Emérito. Ali, daquele lugar, abundavam aos romeiros os sorrisos, acenos e – por que não? – lágrimas de um pastor que trazia consigo amor pelo seu povo. Até hoje, é impossível passar ali, em dia de Círio, e não recordar de Dom Zico. De modo espontâneo, quando os promesseiros da corda por lá passam, ainda gritam: “Dom Zico, Dom Zico, Dom Zico”. E até mesmo quem está “chegando agora” nesta vida de promesseiro da corda, grita e clama pelo “bom velhinho”. E certamente, do céu, ele continua distribuindo bênçãos, acenos e aquele sorriso inapagável da memória de quem o conheceu.

Assim era Dom Vicente Joaquim Zico: de fala mansa, mas eloquente na pregação da Palavra. Possuía uma retórica fabulosa. As homilias eram verdadeiras gotas de sabedoria. Mais que isso, a convivência com ele inspirava serenidade e doçura. Com Dom Vicente ao lado se reconstruía a gramática da bondade, da ternura de Deus. Foi Santa Teresa de Calcutá quem disse que a ninguém é permitido sair da nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz. Em Dom Zico estava a concretude destas palavras.

Em 22 de outubro de 2014, Deus nos concedeu a graça de celebrar com Dom Vicente seu aniversário sacerdotal pela última vez. Nesta ocasião, em sua homilia, recordou as “felizes coincidências” da data de sua ordenação: o clima espiritual de Círio, a data de lançamento da pedra fundamental da Basílica Santuário de Nazaré (1909) e o início do ministério petrino de São João Paulo II (1978). A dada altura, disse ele: “estou consciente que a vida de um padre é vida exigente de ser testemunha de doação sincera a Deus, doação total, e manifestar – como gosta de falar o Papa Francisco – a alegria da doação, da missão”.

Nesta certeza, nos prazerosos cinco anos de convivência que pôde ter com Dom Vicente, nosso Arcebispo, Dom Alberto Taveira Corrêa, o chamou várias vezes de “Anjo da Igreja de Belém”. Hoje, portanto, como dito no começo desta, unem-se Céus e Terras para, em coro uníssono, entoar louvores a Deus por ter dado a nossa Igreja de Belém, Dom Vicente Joaquim Zico. E, para finalizar, trago as palavras de São João Paulo II em missiva enviada a Dom Vicente, datada de 22 de setembro de 2000, por ocasião do Jubileu de Ouro Sacerdotal de nosso “Anjo”:

“Na tua vida iluminada pelo Evangelho, recordo alguns acontecimentos de maior relevo, informado dos teus dotes de inteligência (e de espírito) e das virtudes especiais que procuraste desenvolver ao longo dos anos, sempre solícito no cumprimento da vontade de Deus…”

Vivas a nosso Dom Zico, Anjo da Guarda de nossa Igreja Particular de Santa Maria de Belém!


Referências Bibliográficas

FONSECA, Maria de Fátima da; BONNA, Mízar Klautau. Fragmentos da Vida de Dom Vicente Zico. 2ª ed. Belém: Marques Editora, 2011.
RAMOS, Dom Alberto Gaudêncio. Cronologia Eclesiástica do Pará. Belém: Gráfica Falangola, 1985.
ZICO, Dom Vicente Joaquim. Escritos Pastorais. Belém: Arquidiocese de Belém, 2000.

Fotos: Arquivo da Arquidiocese de Belém

Seminarista Leonardo Monteiro
Jornalista, estudante do 4º Ano de Teologia,
residente no Seminário Maior São Pio X da Arquidiocese de Belém

Receba as últimas notícias