Os atuais e abundantes provedores de televisão por assinatura apresentam listas variadas de temas: dramas, humor, ação, guerras, filmes de época, temas para crianças, grande quantidade de temas ligados ao sexo, com erotismo e pornografia para todo gosto, e daí por diante. Ao mesmo tempo, como verdadeiro espetáculo, os noticiários, os canais de variedades, cultura, política e ciência. As pessoas se sentem estimuladas a escolher e quase brincar com o controle remoto, ao passar de uma oferta para outra.
Pois bem, hoje não estamos diante de nossos aparelhos de televisão, computadores ou celulares, mas, à luz da Palavra de Deus, no caminho quaresmal que percorremos, queremos abrir as cortinas de um imenso palco, no qual se apresentam personagens do drama mais realista e decisivo da história, com o final feliz que toda a humanidade espera, lá dentro de cada coração! Trata-se de participar, no cenário que a tradição localizou no Monte Tabor, montanha à qual Jesus levou alguns discípulos para rezar (Lc 9,28-36), de um encontro privilegiado, para o qual não é preciso pagar ingresso! Não se trata de uma ficção, mas a história mais real que se possa pensar, História de Salvação.
Jesus, falando com sabedoria e ensinando com amor (Cf. Pr 31,26), formou seus discípulos pelas estradas da vida, num processo educativo fecundo e ao mesmo tempo trabalhoso, partindo de onde estes se encontravam, cada um com sua história repleta de expectativas, defeitos, qualidades e sonhos. O primeiro anúncio da paixão (Cf. Lc 9,18-27) os deixara sobressaltados. É delicadeza divina conduzi-los a um momento de oração, e a montanha sempre é vista como ambiente propício a esta experiência.
Os escolhidos foram Simão Pedro e os irmãos Tiago e João. Sabemos que tinham sido pescadores de peixes e feitos pescadores de homens. Simão Pedro é muito parecido conosco! Homem de corpo e alma enrijecidos pelo suor do trabalho, cuja casa terá sido certamente espaço para Jesus se abrigar, mesmo se este não tivesse onde reclinar a cabeça (Cf. Lc 9,58). Pedro inseguro, afundando-se no mar da Galileia e da vida, fraco da fé, negou conhecer Jesus, chorou amargamente de arrependimento! Por outro lado, professou a fé em nome dos discípulos e da humanidade, foi escolhido como pedra sobre a qual o Senhor quis edificar sua Igreja. E foi o homem da profissão de amor, três vezes repetida, profundamente amado, deixou-se conduzir pelo Espírito Santo, foi coluna da Igreja nas terras do oriente e em Roma, onde derramou seu sangue por Cristo. Tiago e João, vistos humanamente, eram carreiristas, “filhos do trovão” certamente pelo temperamento diferente do que transparecem o Evangelho e as Cartas de João. Foram companheiros de Jesus em situações delicadas, testemunharam milagres. Tiago, sempre colocado ao lado do irmão entre os primeiros apóstolos (Cf. Mc 1,19; Mt 4, 21, Lc 5,10), assiste à cura da sogra de Simão (Cf. Mc 1,29), à ressurreição da filha de Jairo (Cf. Mc 5,37-43), estava com seus amigos no Getsemani, convidado por Jesus a vigiar, viveu em primeiro lugar a profecia de Jesus (Cf. Mc 10,35-45) e bebeu o cálice do sacrifício. João, o discípulo amado, amigo do peito, com proximidade e liberdade edificantes com o Senhor, acolheu e testemunhou o mandamento do amor e esteve presente, com Maria, aos pés da Cruz. Junto de Pedro, foi encontrar o sepulcro vazio, após o anúncio de Madalena, a apóstola dos apóstolos, viu e acreditou. Os três foram ao Tabor com Jesus e parece que o Senhor armou tudo aquilo justamente por amor a eles e a toda a humanidade. Estávamos ali naquela montanha!
O ambiente está preparado no Tabor, para garantir-lhes, num respeito profundo às interrogações de sua inquieta humanidade, e Jesus “convoca” o testemunho de Moisés e Elias, a Lei e os Profetas, como se fossem seus discípulos juízes num Tribunal! Mais ainda! A Nuvem luminosa que os envolveu e a voz do Pai! Jesus, o Filho amado, o Espírito e o Pai. Tudo isso em favor daqueles homens e de todos os que viriam depois, para que o escândalo da Cruz fosse superado. Após a experiência da Transfiguração, desceram da montanha e permaneceram em silêncio, até que o segredo fosse plenamente desvendado na Páscoa!
Luzes, câmara, ação! Diriam os dirigentes de um espetáculo. No entanto, já constatamos não ser ficção, mas a mais pura realidade. Quando unidos em nome de Jesus, por ele convocados, recolhemos o testemunho de toda a história da Salvação, com as profecias e a lei, entramos em cena, passamos pelos umbrais do Céu, e este penetra na terra, numa experiência profunda e verdadeira de comunhão. Podemos dizer com toda a propriedade, que estamos reunidos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo! O Filho amado nos introduz na vida de Deus, tanto que desejamos com Simão Pedro construir algumas tendas, mesmo que fiquemos ao relento, apenas contemplando e ouvindo palavras de eternidade. O Pai toma a palavra: “Este é o meu Filho, o Eleito. Escutai-o!” Somos convidados a subir ao monte e de lá descer para a missão, como Igreja “em saída”.
Se não só assistimos, mas participamos da cena da Transfiguração, é hora de aproveitar as lições ali oferecidas. Colocar-se em oração, podemos começar, é sempre subir à montanha, não para afastar-nos dos outros, mas para levar em conta o Céu, a Eternidade e os valores que não passam, vindos de Deus e de sua Palavra. Se assim o fizermos, e estivermos unidos com Jesus em nosso meio (Cf. Mt 18,20), tudo vai se transfigurar! Tudo se transforma em torno a nós! Poderemos ver, no meio das pedras da subida, ou nas eventuais cavernas das fragilidades humanas, emergir o que é melhor, a beleza do amor de Deus plantado em cada coração humano. Esta é também uma oportunidade para recolher todos os ensinamentos da História da Salvação, pensando em Moisés e Elias, testemunhas qualificadas, e entender tudo à luz da presença de Jesus. Ele é a chave que nos abre as portas para a compreensão do Antigo Testamento e da história milenar, feita de tanta esperança!
Se a Quaresma, em seu início, nos fez visitar o Deserto, agora nos leva ao Monte da Transfiguração. De verdade, quem é batizado e vive a graça de filiação recebida no Sacramento, pode contemplar Jesus, penetrar na vida da Santíssima Trindade, viver em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, empreender a aventura que será sempre de vitória contra o mal e o demônio, para depois descer à planície da vida. Nesta planície, seremos capazes de testemunhar, muitas vezes silenciosamente, a experiência feita com o Senhor. Sim, os discípulos missionários de Jesus haverão de percorrer o mundo, como portadores de uma vida nova. Em sua luz, serão sempre capazes de ver a luz e anunciá-la, e resplandeça o sol da Justiça, pois “o povo que andava na escuridão viu uma grande luz, para os que habitavam as sombras da morte uma luz resplandeceu” (Is 9,1).
Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.
Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.
Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.