Era por volta de quatro horas da tarde! Certamente um dos dois interessados em saber onde morava Jesus (Jo 1,35-42) ficou tão impressionado que guardou, no caderninho da memória, chamado coração, um detalhe tão preciso. É que Deus usa meios inusitados para convocar pessoas ao serviço de seu Reino, nas diversas vocações e estados de vida. E após as várias celebrações das manifestações de Jesus, a Igreja nos abre o leque do assunto tão importante quanto urgente, que é a vocação.
Algumas pessoas identificam muito cedo o chamado de Deus, como aconteceu com Samuel (Cf. 1 Sm 3,3-19): “O Senhor veio, pôs-se junto dele e chamou-o como das outras vezes: “Samuel! Samuel!” E ele respondeu: “Fala, que teu servo escuta”… Samuel crescia, e o Senhor estava com ele. E não deixava sem efeito nenhuma de suas palavras. Todo o Israel reconheceu que Samuel era um profeta do Senhor. O Senhor se manifestava a Samuel em Silo, segundo a palavra do Senhor. E a palavra de Samuel se fez ouvir a todo o Israel”. A voz de Deus pode vir de dentro, na forma de uma inspiração muito forte, um desejo de encontrar o Senhor. Sua voz pode chegar através de outra pessoa, que faz perguntas: “Você já pensou em se consagrar a Deus?”, ou “Você já encontrou sua ‘Maria’”? “Quer ser padre?”. “O chamado do Senhor é reconhecido e comprovado pelos mesmos sinais que na vida cotidiana manifestam a vontade de Deus às pessoas sensatas” (Cf. Rito da Admissão entre os candidatos à Ordem Sacra, página 262). Isso significa que a educação para a sensatez faz parte do processo com o qual Deus entra em nossa vida!
Na raiz de toda vocação está o encontro pessoal com o Senhor, que de uma forma ou de outra olha no fundo dos olhos! Ele traz consigo uma pergunta fundamental na existência de qualquer pessoa: “O que está procurando?” (Cf. Jo 1,38). Deus nos deu inteligência e desejo de crescimento, plantou em nosso coração muitas inquietações e a ânsia por acertar o rumo da vida. No contato da Igreja, especialmente através do Serviço de Animação Vocacional, que deve estar presente por toda parte, os agentes responsáveis por este setor haverão de provocar positivamente crianças, adolescentes e jovens, para que venha à tona um projeto de vida adequado a cada idade, correspondente aos sonhos existentes em cada pessoa. A indolência, o não querer nada, a falta de perspectivas na vida são verdadeiras enfermidades, infelizmente existentes em nosso tempo. Não há poucas pessoas “esperando a morte chegar”, como disse um cantor!
Provocados pelo encontro com Jesus, os dois primeiros permaneceram com o Senhor naquele dia. É necessário ficar junto do Senhor para cultivar um relacionamento profundo com ele. Em nossa vida de discípulos missionários do tempo de hoje, isso deve significar uma experiência verdadeira de intimidade com Jesus. Falamos de oração, adoração, contemplação, diálogo sincero com quem puder orientar com segurança, participação intensa na vida litúrgica da Igreja. Os dois primeiros preferiram mudar todo o seu programa de vida, investiram o melhor de si mesmos, a busca do sentido de suas vidas, apostando tudo naquele que entenderão melhor ser verdadeiramente Caminho, Verdade e Vida. Venham e vejam, diz o Senhor a muitos jovens. Experimentem a vida da Igreja, arrisquem-se primeiro com o coração. A compreensão completa, com a cabeça, vem com o tempo. Amor é arriscar-se naquilo que se acredita, e não há modo de encontrar a vida verdadeira senão em Deus, e sabemos com Santo Agostinho que nosso coração estará inquieto enquanto não repousar nele! O ato de fé há de ser gratuito, livre, como um mergulho!
O encontro com Jesus levou os primeiros discípulos a se comprometerem imediatamente em divulgar a experiência feita. De fato, “André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que tinham ouvido a declaração de João e seguido Jesus. Ele encontrou primeiro o próprio irmão, Simão, e lhe falou: ‘Encontramos o Cristo!’, que quer dizer Messias. Então, conduziu-o até Jesus, que lhe disse, olhando para ele: ‘Tu és Simão, filho de João. Tu te chamarás Cefas!’, que quer dizer Pedro” (Jo 1,40-42).
Outro chamado da primeira hora foi Filipe, conterrâneo de André e Pedro. “Segue-me” foi a palavra forte e decisiva que o fez deixar tudo e acompanhar Jesus. Também aqui se repete o mesmo caminho, pois aquele que é chamado dá uma resposta positiva e quer comunicar aos outros (Cf. Jo 1,43-51), indo ao encontro de Natanael: “Encontramos Jesus, o filho de José, de Nazaré, aquele sobre quem escreveram Moisés, na Lei, bem como os Profetas”. Imediatamente, para que na história das vocações ninguém dê desculpas, vem à tona o temperamento desconfiado de Natanael, que tinha suas resistências quanto à origem de Jesus, pois vinha de Nazaré: “‘De Nazaré pode sair algo de bom?’ Filipe respondeu: ‘Vem e vê’”! Jesus não se intimida diante de pessoas complicadas, e muitos santos o foram! Mesmo de longe, conhece Natanael, como conhece a história, as manias, os defeitos e qualidades de cada um de nós! E pode chamar, e chama mesmo, a todos nós. Há lugar para todos na Igreja e na edificação do Reino de Deus. E o homem de temperamento difícil ofereceu-nos a oportunidade de saber que as portas do Céu estão abertas! Para ele e para todos nós que acolhermos o convite de Jesus.
Dali para frente, pelos caminhos da Judeia e da Galileia, tantos foram os homens e mulheres tocados pelo olhar, as palavras e os gestos do Senhor. E a visibilidade de sua ação redentora, que quer alcançar a todos, é entregue à Igreja! Cabe a cada cristão ou cristã experimentar o mesmo roteiro: encontrar-se com Jesus, conviver com ele, ouvir a sua palavra, segui-lo e comunicar aos outros a mesma experiência. A Comunidade cristã será o espaço privilegiado para viver esta divina aventura, desfrutando a beleza da conversão e da comunhão com Deus e os irmãos e irmãs. A Palavra de Deus ouvida, a Eucaristia, a vida de oração, as experiências missionárias, a saída de si mesmos para ir ao encontro dos mais pobres e fragilizados e a partilha das experiências será a nossa estrada. Sim, pois vocação pede coragem para falar do bem que Deus realiza em nós e por nós. Há gente demais espalhando más notícias! Nossa missão é experimentar a Boa Nova e divulgá-la!
Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.
Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.
Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.