Revisão de Vida

Com muita frequência os últimos dias do ano se prestam a previsões e até pretensas adivinhações, o que significa grande insegurança das pessoas diante da vida e especialmente o futuro. Para nós cristãos, a garantia de um ano novo e bom vem do alto, da graça de Deus, e pode vir de dentro de cada um, quando pacificamos o coração em sintonia com os planos de Deus. E um olhar para o ano que termina há de ser marcado pelo otimismo da fé, capaz de enxergar os traços do amor de Deus, que vai costurando, com um fio de ouro, todos os acontecimentos positivos ou negativos, dentro da perspectiva da história da salvação, e nela está envolvida nossa vida pessoal, com todos os percalços vindos de dentro ou da realidade circunstante. Ver tudo com o olhar da fé, encontrando os sinais do Mistério Pascal de Cristo, Morte e Ressurreição, sabendo que a última palavra sobre nossa história e a história do mundo pertence ao próprio Deus. Nós professamos a fé e à luz da fé queremos enxergar tudo o que vivemos.

Fui buscar no Ritual da Penitência, com o qual a Igreja conduz a celebração do Sacramento da Reconciliação, uma proposta de exame de consciência que cada um de nós deve fazer ao aproximar-nos dele com frequência (Cf. Ritual da Penitência, páginas 242-245). Lá encontrei três caminhos de revisão de vida, aqui adaptados para um exercício que serve às pessoas, as Comunidades e a própria Igreja.

Primeiro caminho: O Senhor disse: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração”. Durante este ano, nosso coração se voltou para Deus, a ponto de amá-lo verdadeiramente sobre todas as coisas, como um filho a seu pai, cumprindo fielmente seus mandamentos? Ou nossa vida se ocupa de todas as coisas terrenas, não deixando espaço verdadeiro e principal para Deus? Nossa vida tem sido conduzida pela fé em Deus, que nos falou por seu Filho? E nossa adesão à doutrina da Igreja? Buscamos adquirir a instrução cristã, com os meios que nos foram oferecidos, mesmo no meio das tantas dificuldades enfrentadas? Uma consequência deve ser a coragem de professar com destemor a fé em Deus e na Igreja e o testemunho cristão na vida pública e particular, assim como a fidelidade à Igreja, sem buscar outras formas de prática religiosa incompatíveis com a fé católica! É hora de perguntar-nos ainda sobre nossa vida de oração, que deve ser um verdadeiro diálogo com Deus. Se assim vivermos, saberemos também oferecer a ele nossas alegrias e sofrimentos e recorrer ao Senhor quando sobrevêm as tentações. Depois, como anda nossa prática do dia do Senhor, os Domingos e Dias Santos de guarda, participando da Santa Missa e maneira ativa, piedosa e atenta?

Segundo caminho: O Senhor disse: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”. O amor ao próximo tem norteado nossa vida e a vida de nossa Igreja, ou acontece de desrespeitarmos o próximo para nosso proveito pessoal, fazendo o que não desejamos para nós mesmos? Porventura fomos causa de escândalo com palavras ou ações, prejudicando gravemente as pessoas? E chegamos à nossa família, perguntando sobre a paciência e o amor sincero que devem reinar em nossas casas. Há virtudes domésticas que, sendo cultivadas, certamente contribuem para a paz em casa: a obediência, o diálogo, o serviço mútuo, a educação dos filhos, a atenção aos idosos. Neste caminho, podemos ainda perguntar a respeito da fidelidade matrimonial, expressão do amor verdadeiro. E nossas famílias aprenderam a partilha com os mais pobres? Houve participação familiar em obras sociais ou campanhas da Igreja em benefício dos mais sofredores? E ainda, cada cristão tem a responsabilidade de ser ativo no progresso da comunidade em que vive, praticar a justiça, a honestidade dos costumes, os deveres cívicos, o pagamento de impostos. Podemos abrir o leque e perguntar se nós cristãos temos remunerado com justiça pessoas que de nós dependem, e também rever, com honestidade de consciência, se temos prejudicado a integridade física, a honra ou os bens do próximo. Será que fomos sempre leais e verdadeiros? Ou em alguma ocasião prejudicamos os outros com palavra falsas, calúnias, juízos temerários, violação de segredo? E tocamos no respeito à vida, revendo nossa mentalidade a respeito do aborto, para saber se algum de nós o ou aconselhou esta prática! Amar o próximo exige também o respeito aos bens que lhe pertencem. E precisamos ter coragem para perguntar se roubamos ou desejamos injustamente o bem do próximo. Por fim, durante este ano estivemos prontos a perdoar ou fazer as pazes, ou guardamos ódio e desejo de vingança?

Terceiro caminho: O Senhor Jesus Cristo diz: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”. Termina um ano e devemos perguntar sobre a orientação fundamental de nossa vida, se estamos animados pela esperança da vida eterna e se progredimos na vida espiritual. Estivemos prontos a reprimir os vícios e as más inclinações, como a inveja e a gula? Por acaso espalhou-se entre nós a soberba e a vaidade, menosprezando o próximo, a presunção, a imposição das próprias ideias aos outros, sem respeitar a liberdade e os direitos dos outros? Ser perfeitos como o Pai celeste pede também usar bem o tempo, as forças e os dons recebidos como os talentos do Evangelho, buscando fazer o bem, sem preguiça e moleza! Perfeição se adquire ainda suportando com paciência as dores e contrariedades da vida, aprendendo a mortificar nosso corpo. Um sinal de nossa boa vontade pode ser a disposição para o jejum e a abstinência! E a perfeição dada por Deus e buscada com dignidade pede ainda o cuidado com os nossos sentidos, guardando casto o nosso corpo como templo do Espírito Santo, destinado à ressurreição e à glória, e como sinal do amor que Deus tem pelo homem e a mulher, simbolizado plenamente no Sacramento do Matrimônio, a ser usado segundo a norma da Igreja. Será que existem entre nós más ações, palavras e pensamentos impuros que mancham nosso corpo e nossa alma ou maus desejos que conduzem ao pecado? E podemos estender nossas interrogações aos meios de comunicação, as redes sociais, a pornografia e tantas formas, infelizmente entendidas como diversões, cujos frutos pesados se fazem notar e prejudicam a todos, independente de sua idade! É conversa fiada dizer que o adulto pode ver tudo que aparece pela frente! Não tenhamos receio de ainda perguntar se fomos, com o mau exemplo, causa do pecado dos outros! Enfim, alguma vez agimos contra a nossa consciência por temor ou hipocrisia? E nossa revisão de vida termina com uma pergunta decisiva: Procuramos sempre agir na verdadeira liberdade dos filhos de Deus, segundo a lei do Espírito, ou temos sido escravos de nossas próprias paixões?

Aí, ao invés de buscar adivinhações, assumimos juntos a coragem de rever estes caminhos propostos pela Palavra de Deus e pela Igreja. “Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração”! “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”! “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”. Tornem-se eles programa de vida para o ano de 2021 que vai começar. Então, ele será um ano novo!

Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.

Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.

Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.

Dom Alberto Taveira Corrêa

Arcebispo Metropolitano de Belém

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