Foi publicada no dia doze de fevereiro a Exortação Apostólica Pós-Sinodal “Querida Amazônia”, do Papa Francisco, datada do dia dois de fevereiro, Festa da Apresentação do Senhor, como uma luz que se acende, uma visita de Deus à Igreja. Um grande poema, escrito por quem tem um coração de pastor, capaz de se sensibilizar pela nossa grande e efetivamente querida Amazônia. Impressiona a liberdade com que cita poetas de vários países, num estilo livre, dizendo as coisas em primeira pessoa, ajudando-nos a amar profundamente nosso povo, nossa história e nossa fé católica (Cf. Alessandro Guisotti, Vatican News, 13.02.2020).
O grande Arcebispo Dom Helder Câmara repetia com frequência uma frase atribuída a Cervantes e depois cantada em verso e prosa pelo nosso Brasil afora: “Quando se sonha sozinho é apenas um sonho. Quando se sonha juntos é o começo da realidade”. E o Papa Francisco é um homem de grandes sonhos a serem compartilhados, para que se tornem realidade, pois a todos envolve. Sabemos que coloca sob a imagem de São José dormindo suas intenções e preocupações. Posso imaginar que esta Exortação ficou descansando, à espera das revelações feitas em sonho de São José!
O Papa tem um “sonho social”. Com tons vibrantes fala de graves problemas sociais da Amazônia, recorda a denúncia de devastação ambiental da região, feita pelo Papa Bento XVI, e reitera com São João Paulo II que a globalização não deve se tornar um novo colonialismo. Retoma a denúncia da corrupção, que envenena o estado e a vida social. Há uma coerência impressionante nos sucessivos sucessores de Pedro. Para Francisco é preciso indignar-se e pedir perdão, e são necessárias redes de solidariedade e de desenvolvimento, pedindo o comprometimento de todos e dos líderes políticos. Reconhece nos povos originários e nos indígenas imensas riquezas culturais, inclusive a característica de grande comunhão com a natureza, dada por Deus. E neste campo, faz votos de que a Amazônia se torne um lugar de diálogo social, antes de tudo com os últimos e os mais pobres.
O sonho cultural do Papa e da Igreja, propõe cuidar das raízes de nosso ambiente humano, esclarecendo que promover a Amazônia não significa colonizá-la culturalmente, e destaca depois que uma visão consumista do ser humano tende a homogeneizar as culturas, o que afeta de modo especial os jovens. O Papa ainda se concentra no encontro intercultural, importante em nossos tempos. Para ele, a diversidade não deve ser uma fronteira, mas uma ponte! E diz não a um indigenismo completamente fechado. E para toda Amazônia o Papa recomenda que é preciso assumir a perspectiva do direito dos povos, sendo que todos serão prejudicados se o ambiente de origem se deteriora.
Unir o cuidado com o meio ambiente e o cuidado com as pessoas é o que o Papa Francisco chamou de sonho ecológico. Na Amazônia, há uma relação estreita do ser humano com a natureza. Para o Papa Francisco, cuidar dos irmãos como o Senhor cuida de nós é a primeira ecologia que precisamos. Cuidar dos pobres e cuidar do ambiente são coisas inseparáveis em nossas terras. A certa altura, o Papa fala da beleza do Rio Amazonas, esta grande artéria que concentra e simboliza toda a nossa realidade. Usa uma linda expressão, “um sonho feito de água”, e cita poetas que nos ajudam a libertar-nos do paradigma tecnocrático e consumista que sufoca a natureza. Para ele, é urgente ouvir o grito da Amazônia. E recorda que existem fortes interesses locais e internacionais voltados para a Amazônia, A solução nunca estará em sua internacionalização, mas deve crescer a responsabilidade dos governos nacionais. Em nenhum momento o Papa vai além dos limites de respeito à necessária autonomia das nações. E até indica a necessidade de um sistema normativo a ser eventualmente criado em nossos países amazônicos com limites invioláveis, para o bem das pessoas e da natureza.
E o Papa abre o horizonte de seus sonhos para o desenvolvimento de uma Igreja com rosto amazônico. É seu sonho eclesial, que aponta para um grande anúncio missionário, indispensável para a Amazônia. Não é suficiente, ensina Papa Francisco, levar uma mensagem social, pois todos os povos têm direito ao anúncio do Evangelho. Do contrário, cada estrutura de Igreja se transformaria numa organização não governamental! Retoma o tema da inculturação, ensinando que esta deve ter, ao mesmo tempo, uma dimensão social e outra espiritual. Um dos pontos de referência devem ser os valores presentes nas comunidades originárias. E vai além, quando propõe uma santidade amazônica, valorizando traços culturais e expressões religiosas que, não obstante necessitem de um processo de purificação, contêm um significado sagrado. Relembra ainda que já o Concilio Vaticano II havia solicitado um esforço de inculturação da liturgia nos povos indígenas, o que pede dedicação de pessoas e grupos nesta direção.
Desdobrando o sonho eclesial, o Papa Francisco reitera a importância de determinar o que é específico do sacerdote, ligado ao sacramento da ordem, e insiste na busca de presença sacerdotal em lugares mais distantes, salientando a importância da oração pelas vocações e o espírito missionário, com o qual nossas Igrejas latino-americanas podem ser mais generosas, enviando padres a regiões com maiores dificuldades. Para ele, podem ainda ser criados grupos missionários itinerantes. Neste sentido missionário, vem à tona a importância que o Papa dá à força e o dom das mulheres. Há de ser rejeitada a clericalização das mulheres, observando que seu papel não pode estar dependente de concessão de ordem sacra. Encoraja o surgimento de novos serviços femininos, a modo de Maria e de sua ternura!
O Papa fala ainda das comunidades cristãs cheias de vida, nas quais os leigos podem e devem assumir responsabilidades, em seu incisivo e atualizado protagonismo. Pare ele, e aqui o laicato há de encontrar seu espaço, é necessário ampliar os horizontes além dos eventuais conflitos existentes na sociedade. A Exortação se encerra com uma belíssima oração à Mãe da Amazônia: “Mãe da vida, no vosso seio materno formou-se Jesus, que é o Senhor de tudo o que existe. Ressuscitado, ele transformou-vos com a sua luz e vos fez Rainha de toda a criação. Por isso vos pedimos que reineis, Maria, no coração palpitante da Amazônia. Mostrai-vos como mãe de todas as criaturas, na beleza das flores, dos rios, do grande rio que a atravessa e de tudo o que vibra nas suas florestas. Protegei, com o vosso carinho, aquela explosão de beleza. Pedi a Jesus que derrame todo o seu amor nos homens e mulheres que moram lá, para que saibam admirá-la e cuidar dela. Fazei nascer vosso Filho nos seus corações para que Ele brilhe na Amazônia, nos seus povos e nas suas culturas, com a luz da sua Palavra, com o conforto do seu amor, com a sua mensagem de fraternidade e justiça. Que, em cada Eucaristia, se eleve também tanta maravilha para a glória do Pai. Mãe, olhai para os pobres da Amazônia, porque o seu lar está a ser destruído por interesses mesquinhos. Quanta dor e quanta miséria, quanto abandono e quanto atropelo nesta terra bendita, transbordante de vida! Tocai a sensibilidade dos poderosos porque, apesar de sentirmos que já é tarde, vós nos chamais a salvar o que ainda vive. Mãe do coração trespassado, que sofreis nos vossos filhos ultrajados e na natureza ferida, reinai vós na Amazônia juntamente com vosso Filho. Reinai, de modo que ninguém mais se sinta dono da obra de Deus. Em Vós confiamos, Mãe da vida! Não nos abandoneis nesta hora escura. Amém.
Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.
Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.
Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.