O tempo humano, no correr dos anos, é interpretado a partir de visões diferentes. Discussões de caráter filosófico se multiplicam e oferecem leituras dos acontecimentos. Alguns são entendidos como fatídicos, inevitáveis, outras pessoas podem entender o tempo e a história como luta incessante de classes, assim como tanta gente pretende interpretar tudo na chave da economia, enquanto pode acontecer de apenas deixar a vida correr, sem tomar as rédeas da própria existência, perdendo o sentido de metas a serem alcançadas, ou objetivos claros estabelecidos.
Entretanto, interpretada de um jeito ou de outro, a história da humanidade caminha inexoravelmente pela sucessão dos séculos. Há alguns anos, a passagem do milênio suscitou receio e mesmo medo em tantas pessoas, o que se repete em ondas milenaristas mais frequentes do que se poderia imaginar. E o medo do fim do mundo retorna na cabeça e na vida de tanta gente, tornando-se inclusive argumento de grupos religiosos, procurando conversões e mudanças de vida, cuja duração costuma ser breve, como o medo do escuro, que se dissipa ao nascer do dia, ou quando alguém acende uma luz. Vale a pena recordar que o Senhor Jesus não anunciou datas para a sua vinda gloriosa, mas indicou a vigilância e a oração, para estarmos sempre prontos, pois não sabemos nem o dia, nem a hora. Os sinais do Reino de Deus presente acontecem desde sempre, na graça do Mistério Pascal de Cristo, conduzindo-nos a uma conversão consistente, baseada na experiência de sua presença, a graça da salvação que vem com ele e nele. Hoje é o primeiro, o único e o último dia!
“Na realidade, Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos. Como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos serão vivificados. Cada qual, porém, na sua própria categoria: como primícias, Cristo; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda. A seguir, será o fim, quando ele entregar a realeza a seu Deus e Pai, depois de destruir todo principado e toda autoridade e poder. Pois é preciso que ele reine, até que Deus ponha todos os seus inimigos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte. Com efeito, Deus pôs tudo debaixo de seus pés. Ora, quando ele disser: ‘Tudo está submetido’, isso evidentemente não inclui Aquele que lhe submeteu todas as coisas; mas quando tudo lhe estiver submetido, então o próprio Filho se submeterá àquele que lhe submeteu todas as coisas, para que Deus seja tudo em todos” (1 Cor 15,20-28). Trata-se de viver cada momento presente, sem alarde nem alarmes, até que Deus seja tudo em todos!
Na Grande e Santa Vigília Pascal, ao preparar o Círio, a ser introduzido no início da Liturgia, há expressões que iluminam nossa compreensão do tempo e da história: “Cristo ontem e hoje – Princípio e Fim – Alfa e Ômega – a Ele o tempo – e a eternidade – a glória e o poder – pelos séculos sem fim. Por suas santas chagas suas chagas gloriosas o Cristo Senhor nos proteja e nos guarde. Amém. A luz do Cristo que ressuscita resplandecente dissipe as trevas de nosso coração e nossa mente!” Para nós, cristãos, não só contamos os anos, ao dizer que este é o ano de dois mil e vinte e três do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas na compreensão da vida, temos a certeza de que ele é o Senhor do tempo e da história. Nele e por ele todas as coisas foram feitas, ele tem a chave do livro da vida (Cf. Ap 5,1-14). Em Cristo, passando com ele da morte para a vida, nós entenderemos toda a nossa existência! E a luz aparece, para todos os fatos e circunstâncias!
À luz da Palavra de Deus poderemos entender também o seu modo de agir. O grande Servo de Deus Cardeal Van Thuan, quando pregou um Retiro à Cúria Romana, diante de São João Paulo II, teve a ousadia de seguir Jesus, diz ele, por causa dos “defeitos de Jesus”, que, na verdade, não são defeitos. Dentre eles, comentando o Evangelho proclamado na Igreja neste final de semana (Mt 20,1-16) diz que Jesus não entende nem de finanças nem de economia: “Se Jesus fosse nomeado administrador de uma comunidade ou diretor de uma empresa, essas instituições fracassariam e decretariam falência. Como é possível alguém pagar o mesmo salário, seja para quem começa a trabalhar às cinco da tarde ou outro que trabalhou desde cedo? Trata-se de um descuido? Ou Jesus errou, fez as contas erradas? Não! Ele fez de propósito, porque – explica –: “Não tenho o direito de fazer o que eu quero com o que é meu? Ou o teu olho é mau porque eu sou bom?”
O tempo de Deus é diferente! Não são poucos os casos que tive a graça de acompanhar, de pessoas que nos últimos cinco minutos de vida nesta terra viveram um caminho de conversão, cuja luta devemos enfrentar durante toda a vida. O salário pago por Deus é medido pela misericórdia, gratuidade e perdão, superando as normas da economia ou as idas e vindas que tantos teóricos procuram explicar! Se nos rendemos à lógica de Deus, abrindo a ele o nosso coração, certamente encontraremos depois as luzes necessárias inclusive para mudar as leis da própria sociedade.
Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.
Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.
Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.