Não foi fácil aos discípulos de Jesus, que num primeiro momento pensavam estar vendo um fantasma, ter a inteligência aberta à vida nova que se abria para eles e para toda a humanidade, mesmo que tenha sido pelas palavras e gestos do próprio Senhor. Foram muitos os sinais, à mesa, no caminho de Emaús, junto ao sepulcro vazio, à beira do lago, no convite a tocar em seu corpo, a contemplar seus membros com chagas gloriosas, a serem levadas para o Céu como sinais de nossa humanidade por ele plenamente assumida: “As chagas são canais abertos entre ele e nós, que derramam misericórdia sobre as nossas misérias. As chagas são os caminhos que Deus nos patenteou para entrarmos na sua ternura e tocar com a mão quem é ele. E deixamos de duvidar da sua misericórdia. Adorando, beijando as suas chagas, descobrimos que cada uma das nossas fraquezas é acolhida na sua ternura” (Papa Francisco, Homilia na Festa da Divina Misericórdia de 2021).
Ele mesmo, o Senhor Jesus, é Caminho, Verdade e Vida (Jo 14,6). Após o Pentecostes, muitas vezes a própria vida dos cristãos foi chamada de “Caminho”, como vemos na narrativa da conversão de São Paulo: “Saulo, entretanto, respirava ameaças de morte contra os discípulos do Senhor. Apresentou-se ao sumo sacerdote e pediu-lhe cartas de recomendação para as sinagogas de Damasco, a fim de trazer presos para Jerusalém os homens e mulheres que encontrasse, adeptos do Caminho” (At 9,1-2). Mais tarde, em suas lides missionárias o caminho dos cristãos suscitou divergências, o que não impediu o Apóstolo convertido de seguir em missão: “A palavra do Senhor crescia e se firmava com grande poder. Paulo resolveu, no Espírito, ir a Jerusalém, passando pela Macedônia e pela Acaia. Ele dizia: ‘Depois de ir até lá, eu devo ver também Roma’. Paulo enviou à Macedônia dois de seus ajudantes, Timóteo e Erasto, e ficou ainda por algum tempo na Ásia. Foi nessa época que estourou um grave tumulto a respeito do Caminho”. (At 19,8-23). Ao defender-se num processo contra ele levantado, volta à mesma expressão: “Nem no templo, nem nas sinagogas, nem pela cidade, alguém me viu discutindo com outras pessoas ou provocando desordem na multidão. Eles não podem provar aquilo de que agora me acusam. Confesso-te, porém, uma coisa: é segundo o Caminho que eu sirvo o Deus de nossos pais. Acredito em tudo o que está conforme a Lei e em tudo o que se encontra escrito nos Profetas. Tenho em Deus a mesma esperança que eles têm: que há de acontecer a ressurreição dos justos e dos injustos. Por isso, eu também me esforço por manter sempre a consciência irrepreensível diante de Deus e dos homens” (Cf. At 24,1-16). Chagas de perseguição, dores e cansaço do caminho! Tudo assumido na luz e na força da Ressurreição. Quem acolhe o chamado à missão, e vale para todos nós, deverá estar disposto a tudo, mesmo que venha a ser necessário derramar o próprio sangue, como o Senhor. Até hoje, quem empreender este Caminho como escolha de vida há de encontrar o sentido para todas as lutas que lhe forem apresentadas, com coragem e ousadia para comunicá-lo aos outros.
O desafio da missão, com a qual o nome de Jesus e sua Morte e Ressurreição devem ser anunciados até os confins da terra, pela palavra e o testemunho, nos conduz a refletir sobre algumas dimensões desse caminho. A meta é a plenitude da vida, a comunhão pela com Deus e entre nós, que sabemos será realizada quando Deus for tudo em todos! (Cf. 1Cor 15,23-28). Até lá, há muitas mudanças a serem empreendidas em nossa vida e na vida do mundo inteiro, ao qual deve chegar o anúncio da salvação.
Após a cura do paralítico (Cf. At 3,1-26), São Pedro dirigiu-se à multidão reunida, para atribuir, como a Igreja sempre deverá fazer, as maravilhas realizadas e testemunhadas, ao nome de Jesus. E diante desse nome, o convite feito é o da conversão: “Arrependei-vos, portanto, e convertei-vos, para que vossos pecados sejam apagados” (At 3,19). Faz parte do Caminho a mudança de vida, a transformação do coração, a superação da ignorância a respeito das coisas de Deus, a descoberta dos planos de Deus na história humana. Sabemos que a nossa condição, enquanto caminhamos nesta terra, é de fragilidade, mas o próprio Senhor, aquele que levou para o alto as chagas por nós provocadas, é o nosso defensor, pois foi a vítima de expiação pelos nossos pecados (Cf. 1 Jo 2,1-2).
Tendo claras a meta e as lutas a serem empreendidas, o conhecimento de Jesus há de conduzir-nos ao caminho de fidelidade aos mandamentos: “O critério para saber que o conhecemos é este: se observamos os seus mandamentos. Quem diz: ‘Eu conheço a Deus’, mas não observa os seus mandamentos, é mentiroso, e a verdade não está nele. Naquele, porém, que guarda a sua palavra, o amor de Deus é plenamente realizado. Com isso sabemos que estamos em Deus. Quem diz que permanece em Deus deve, pessoalmente, caminhar como Jesus caminhou” (1Jo 2,3-5).
Entretanto, faz parte do Caminho descobrir que fomos chamados como corpo, do qual Cristo é a cabeça e nós somos os membros. Não corresponde à compreensão da fé cristã pensar que seja possível uma prática religiosa apenas pessoal e muito menos individualista! Ideias de tal ordem, mesmo quando espalhadas por meios de comunicação e até autoridades, não correspondem à vida dos cristãos. Ninguém caminha sozinho, e a dimensão da comunhão entre os irmãos e irmãs é constitutiva da vida cristã, não um acréscimo acessório! A vida cristã exige a partilha em todos os sentidos. Sempre atual é a perspectiva elencada justamente nos Atos dos Apóstolos, quando começou “o caminho”: “Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações” (At 2,42), o que se confirma mais adiante: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum. Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e sobre todos eles multiplicava-se a graça de Deus. Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro e o depositavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um” (At 4,32-35).
Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.
Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.