As festas pascais se prolongam até o dia do presente, penhor dado por Cristo e pelo Pai, o dom do Espírito Santo. Com esta garantia, o tempo se torna breve e ao mesmo tempo desdobra suas ondas, de forma a assegurar que todas as gerações possam acolher os mesmos frutos do Mistério de Cristo, em sua Morte e Ressurreição. Durante o Tempo Pascal, Os Sacramentos, a Igreja, a Esperança, o Testamento de Jesus, a Missão e os Dons do Espírito serão desvelados pouco a pouco, com a novidade perene que só Deus pode oferecer.
Entretanto, ao completar a oitava de Páscoa, quando as aparições de Jesus nos são oferecidas como testemunho, para que a fé se espalhe por todos os recantos da terra, anuncia-se uma dimensão do Mistério de Cristo que alcança todos os seres humanos, vindo a significar de modo especial para a nossa geração, marcada profundamente pelas crises, divisões, crimes e pecados, além do drama sanitário em que nos encontramos. Trata-se da Misericórdia, cuja festa celebramos neste final de semana. Coube de forma especial a São João Paulo II lançar sobre esta dimensão do amor de Deus uma luz impressionante, sob a inspiração das experiências místicas de Santa Faustina Kowalska.
Jesus misericordioso abre seus braços sobre os machucados corações humanos. Queremos contemplá-lo e desfrutar os vários aspectos de sua misericórdia infinita. O Evangelho do Segundo Domingo da Páscoa, Festa da Misericórdia, narra duas aparições de Cristo Ressuscitado (Jo 20,19-31), referência para nossa reflexão de final de semana.
Nestes dias cantamos com alegria: “Por sua morte, a morte viu o fim, do sangue derramado a vida renasceu, seu pé ferido nova estrada abriu e neste homem, o homem enfim se descobriu! Meu coração me diz: O amor me amou e se entregou por mim! Jesus ressuscitou! Passou a escuridão, o Sol nasceu, a vida triunfou: Jesus ressuscitou! ‘Jesus me amou e se entregou por mim’, os homens todos podem o mesmo repetir. Não temeremos mais a morte e a dor, o coração humano em Cristo descansou” (Dom Carlos Alberto Navarro e Waldeci Farias). O Senhor passa pelas portas fechadas. Aos discípulos ao mesmo tempo temerosos e alegres, mostra as mãos e o lado. Não há mais barreiras capazes de impedir o contato com Deus, pois ele mesmo desceu do Céu, entrou em nossa história. Indo até o mais profundo das misérias humanas, por elas se apaixonou com a Divina Misericórdia. A iniciativa pertence a Deus. Não se trata de uma humanidade humilhada, mas redimida! Face divina e humana da Misericórdia é a sua gratuidade onipotente, que se oferece a todos, sem exceção. Não há pecado humano ou miséria que seja capaz de bloquear a força do amor de Deus. Somente a liberdade humana pode recusar-se a acolhê-la. Da parte de Deus, abriram-se as porteiras das verdes pastagens que o Bom Pastor oferece a todas as suas ovelhas (Sl 22).
As primeiras palavras do Cristo Ressuscitado são “A paz esteja convosco”, o que repete outras vezes com divina insistência. A Misericórdia que jorra da Cruz e da Ressurreição é a única fonte da paz verdadeira. Se assistimos a tantos conflitos ou nos sentimos confusos numa sociedade polarizada, nas quais o diferente é tratado como inimigo, temos a certeza, vinda da fé, que Cristo, e só ele, é a nossa paz. “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade” (Ef 2,14), ouvimos e repetimos tantas vezes na Quaresma!
A Misericórdia que brota do Cristo ressuscitado, onde se veem as marcas da paixão, agora gloriosas, é o perdão oferecido e dado pelo ministério da Igreja. “Soprou sobre eles e falou: ‘Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão retidos’” (Jo 20,22-23). A Misericórdia e o perdão estão disponíveis, e a Igreja tem a missão sacramental de oferecer a todos estes dons.
Quando Jesus morreu na Cruz, inclinando a cabeça, entregou o espírito (Jo 19,30). Muitos escritos reconhecem aqui o dom do Espírito Santo, aquele mesmo que foi derramado no Pentecostes, inauguração da Igreja (At 2,1-12). Após a Ressurreição, nós o vemos soprando sobre os Discípulos e infundir neles o Espírito (Jo 20,22). A partir daí, a Misericórdia se faz missão, pois o mesmo Cristo que foi pelo Pai enviado ao mundo faz com que seus discípulos e a Igreja, conduzidos pelo sopro do Espírito escancarem os horizontes aos confins da terra, até que venha o Senhor, no fim dos tempos. A nós a responsabilidade de dizer, com a palavra e a vida, que há lugar para todos. Ninguém se julgue no direito de fechar portas ou estradas, para que muitos e todos se acheguem ao Coração Misericordioso de Jesus, que tanto amou o mundo. Todos aprendamos a identificar as sementes do bem que o Espírito Santo plantou no coração das pessoas.
De fato, a Misericórdia alcança, desde os primórdios da Igreja, os que estão distantes. Jesus Misericordioso, Morto e Ressuscitado, aparece de novo e acolhe Tomé, homem da dúvida e da profissão de fé! Quantas pessoas se perdem no mundo, cheias de vida imortal, só porque num caos tão profundo, não tiveram a luz de um farol. O Apóstolo que pronunciou palavras tão profundas – “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28) – nos oferece a oportunidade para, em nome do Senhor, ir ao encontro das dúvidas e inconstâncias de tantas pessoas, pois somos chamados a ser apóstolos da Misericórdia, pois até recebemos um elogio do Senhor: Bem-aventurados os que não viram, e creram!” (Jo 20,29).
“Não sei se descobriste a encantadora luz no olhar da mãe feliz que embala o novo ser, nos braços leva alguém em forma de outro eu, vivendo agora em dois se sente renascer. A mãe será capaz de se esquecer ou deixar de amar algum dos filhos que gerou? E se existir acaso tal mulher, Deus se lembrará de nós em seu amor. O amor de mãe recorda o amor de nosso Deus, tomou seu povo ao colo, quis nos atrair, até a ingratidão inflama seu amor. Um Deus apaixonado busca mim e a ti!” (Missa “Um Deus apaixonado”, Dom Carlos Alberto Navarro e Waldeci Farias). As palavras e o canto brotaram naturalmente em meu coração, ao contemplar as muitas faces da Misericórdia de Deus. Sua face materna suscite em todos nós a descoberta de muitos outros modos com os quais o Senhor Misericordioso nos alcança.
Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.
Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.
Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.