Neste final de semana a Igreja celebra a Exaltação da Santa Cruz, que é fonte de santidade e símbolo revelador da vitória de Jesus sobre o pecado e a morte. Ela, que outrora foi instrumento terrível de suplício, quando o Corpo Santo do Senhor a tocou, tornou-se instrumento de salvação, causa de glória e honra para todos os seres humanos, nela encontramos o maior sinal do amor de Deus.
A glorificação de Cristo e a nossa salvação passam pelo suplício da Cruz. Cristo, encarnado na Sua realidade concreta humano-divina, se submete voluntariamente à humilde condição de escravo. A cruz era o tormento reservado para os escravos, com Sua morte na cruz, o suplício infame transformou-se em glória perene. “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim deve ser levantado o Filho do Homem, para que todo homem que nele crer tenha a vida eterna. Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. (Jo 3, 14-16).
O Sentido da Cruz
“Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu, o Filho do Homem que está no céu” (Jo 3, 13)
O sofrimento sozinho não deve e nem pode ser procurado, num gosto mórbido e destruidor da vida humana. Dificuldades, dores ou problemas têm a vocação de se transformarem em Cruz, quando se acrescenta o único ingrediente com o qual a vida ganha sentido, o amor. A cruz com a qual foram supliciadas tantas pessoas foi redimida e se transformou em sinal e caminho de salvação por Aquele que nela se imolou para a salvação da humanidade. Só a entrega livre, a descida à condição de escravidão e liberdade, no amor eterno, feita por quem não se apegou à sua igualdade com Deus (Cf. Fl 2, 6-11), na morte de Cruz, dá sentido a tudo o que se faz, inclusive o sofrimento e a dor.
Aí, se joga com a liberdade humana! Podemos ficar apenas com problemas, dores, angústias, enfermidades ou outras expressões com as quais qualificamos os desafios da vida humana. Ou aproveitamos a graça de dar-lhes um nome sagrado, Cruz, unindo-nos a Cristo e escolhendo-o como Senhor e Salvador, para ter a vida eterna, não só depois de sermos apresentados diante da face de Deus, no limiar da eternidade, mas agora, no momento presente em que o Senhor nos quer realizados e felizes.
Gesto da Cruz
“Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, porque não crê no nome do Filho único de Deus” (Jo 3, 18)
A Cruz aponta para o alto, para a grandeza do eterno. Mirar o relacionamento com Deus é resposta humana àquele que criou, por desígnio admirável, a maravilhosa aventura de estar nesta terra. Buscar as coisas do alto (Cf. Cl 3, 1-2) é atitude digna dos filhos de Deus. E pode iluminar o cotidiano de forma surpreendente. Pensa no que é melhor, no mais perfeito, naquilo que é mais santo, deixar-se envolver pela beleza com que Deus pensou a humanidade, ter sonhos de paraíso, sim! E a Cruz tem uma outra haste, horizontal, braços que se abrem e acolhem no amor tudo o que é humano. É a escolha do relacionamento amigo e verdadeiro com as outras pessoas, com a sensibilidade de quem olha ao redor e não deixar escapar qualquer possibilidade para amar e fazer o bem.
As duas hastes da Cruz se “cruzam” no coração humano! É lá dentro, no íntimo das escolhas inteligentes e livres simbolizadas justamente pelo coração é que se encontra a possibilidade de transformar dor, sofrimento, problemas ou incógnitas em caminho de salvação. Também as alegrias serão transformadas em Cruz e ganharão sentido, quando estes dois movimentos se fizerem presentes, olhar para o alto e abrir os braços no amor ao próximo. Sim, pois também gargalhadas dadas, ou outras expressões efusivas dos sentimentos humanos, sem o amor se esvaziam e esvaziam a vida. Só em Cristo e em seu mistério a história pessoal e a da humanidade encontram rumo e sentido.
A Cruz da Salvação
“Assim como Moisés elevou a serpente no deserto, também o Filho do homem será elevado” (Jo 3, 14)
O Senhor recorda-nos, uma vez mais, que o nosso caminho é de Cruz, cruz que temos de amar, cruz que temos de contemplar a exemplo dos israelitas no deserto, pois só nela está a Salvação. O mistério da Cruz é um mistério luminoso que dá sentido a tudo o que nós chamamos absurdo, fracasso, contradições. Contemplando os mistérios dolorosos do santo rosário, chegaremos a contemplar o rosto doloroso, de Jesus Cristo e prostrar-nos-emos em adoração: “Para transmitir ao homem o rosto do Pai, Jesus teve de assumir não apenas o rosto do homem, mas também o “rosto” do pecado. “Aquele que não havia conhecido pecado, Deus o fez pecado por nós para que nos tornássemos n’Ele justiça de Deus” (2 Cor. 5, 21). Só Ele que vê o Pai avalia até ao fundo o que significa resistir com o pecado ao seu amor” (São João Paulo II, No Início do Novo Milénio, nº 26).
Ciência da Cruz
“Quando tiverdes levantado o Filho do Homem, então conhecereis quem Eu sou” (Jo 8, 28)
Contemplando Jesus Cristo Crucificado, aprenderemos a verdadeira ciência da Cruz. Esta ciência não consiste simplesmente em suportar, mas, em compreender profundamente os caminhos dolorosos, muitas vezes incompreensíveis, através dos quais Cristo triunfa e salva. Os sofrimentos da Paixão e morte de Cristo situam-nos diante do núcleo do plano divino da nossa redenção: a destruição do pecado, em virtude do amor infinito de Deus, que se manifesta numa entrega total.
“O Senhor sofreu tanto e foi tão feliz por sofrer a condenação à morte, que padeceria mil vezes mais, se isso fosse necessário, para nos salvar de uma condenação mil vezes pior do que aquela: a da separação eterna de Deus”(Cfr. Hugo de Azevedo, a Psicologia da Cruz, Cel. Lit. 2, Ano B-1993/94).
Amar a Cruz
“Quando for levantado da terra atrairei todos a Mim” (Jo 12, 32)
Naturalmente não gostamos da cruz, nem da dor, nem do sofrimento, nem da morte. Não foi Deus que fez a cruz, nem a dor, nem foi Deus que desejou a morte. Tudo isso foi obra nossa. A dor entrou no mundo pelo pecado dos homens. Jesus veio ao nosso encontro com a nossa dor, com o nosso sofrimento. Não teve outra linguagem senão a linguagem da cruz, para se fazer entender. A partir do seu Sacrifício no Calvário, temos de amar a Cruz como Jesus a amou. “Longe de mim gloriar-me senão na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo”- dirá São Paulo. Será pela porta estreita da Cruz de Nosso Senhor que todos teremos de entrar, se desejamos verdadeiramente a sabedoria divina e conseguir a salvação.
Que Deus nos conceda a graça de amarmos a Cruz, de descansar na cruz, de “alegrar-nos” nos sofrimentos suportados pelos nossos irmãos, a exemplo de São Paulo (Cf. Col 1, 24). Encontrar a cruz é encontrar Cristo e com Ele haverá sempre alegria, mesmo diante de injustiças, mesmo no meio de penas abundantes, de amarguras sem conta: “ter a cruz é identificar-se com Cristo, é ser Cristo, e, por isso, ser filho de Deus.” (São José Maria Escrivá).