Neste final de semana, ainda no mês vocacional, a Igreja nos oferece o episódio da confissão de fé feita pelo apóstolo Simão Pedro, ocasião em que o Senhor prometeu edificar a sua Igreja sobre a Rocha, Pedro, que vem de Pedra. Sabemos que a primeira beneficiária da salvação é a Igreja: Cristo adquiriu-a com o seu sangue (Cf. At 20, 28) e tornou-a sua cooperadora na obra da salvação. Cristo vive nela, é o seu Esposo, realiza o seu crescimento, e cumpre a sua missão através dela. O Concílio Vaticano II deu grande realce ao papel da Igreja, em favor da salvação da humanidade. Se Deus ama todos os homens e lhes dá a possibilidade de se salvarem (Cf. 1 Tm 2, 4) a Igreja professa que ele constituiu Cristo como único mediador e que ela própria foi posta como instrumento universal de salvação. “Todos os homens, pois, são chamados a esta católica unidade do Povo de Deus à qual, de diversos modos, pertencem ou estão ordenados quer os fiéis católicos, quer as outras pessoas que creem em Cristo, quer universalmente todos os homens, chamados à salvação pela graça de Deus” (Redemptoris Missio 9).
É necessário manter unidas, estas duas verdades: a real possibilidade de salvação em Cristo para todos os homens, e a necessidade da Igreja para essa salvação. Ambas facilitam a compreensão do único mistério salvífico, permitindo experimentar a misericórdia de Deus e a nossa responsabilidade. A salvação, que é sempre um dom do Espírito, exige a colaboração do homem, para se salvar tanto a si próprio como aos outros. Assim o quis Deus, e por isso estabeleceu e comprometeu a Igreja no plano da salvação. Este povo messiânico (Lumen Gentium 9), estabelecido por Cristo como uma comunhão de vida, amor e verdade, serve também, nas mãos dele, de instrumento da redenção universal, sendo enviado a todo o mundo, como luz desse mundo e sal da terra. (Cf. Redemptoris Missio 9)
A Igreja continua na terra a missão de Cristo: “Quem recebe aquele que eu enviar, a mim recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou” (Jo 13, 20). “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou também eu vos envio. Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão retidos” (Jo 20, 21-23). E a missão de Cristo, que não veio para ser servido, mas para servir, é assumir a condição de escravo, disponível a tudo, até dar a sua vida. No lava-pés, o Senhor manifestou sua vontade de que a Igreja se torne servidora, como ele. O principal serviço prestado pela Igreja é o anúncio do Reino de Deus. E sua missão se traduz nas atitudes de testemunho, comunhão e serviço da caridade, tudo convergindo para a Evangelização, que não é apenas o primeiro momento da missão, mas o conjunto da ação da Igreja para anunciar a Boa Nova, viver e celebrar a fé, transformar o mundo e, assim, edificar o Reino de Deus. E Reino de Deus quer dizer comunhão dos homens com Deus e entre si. Como chegar lá? Pelo serviço e pela participação consciente e responsável, em espírito de unidade e comunhão. É um ideal que tem a força que leva o cristão a consagrar a sua vida, e se traduz numa verdadeira paixão pela Igreja, sentindo como próprios os problemas por ela enfrentados e assumindo seus anseios e projetos. Cada cristão pode e deve fazê-lo descobrindo sua vocação e o dom que lhe foi concedido por Deus.
A todos nós cabe cuidar para que tudo o que se faz na Igreja a revele realmente como comunidade fraterna e se manifeste a dignidade de todos os membros do Corpo Místico de Cristo. Cabe-nos ainda nossa colaboração para que se constituam comunidades menores, de dimensões mais humanas, além de abrir-nos para contribuir, também na partilha de ideias e propostas, nas decisões a serem tomadas na Igreja. Para edificar a Igreja, é fundamental tomar conhecimento dos pilares sobre os quais se assenta a ação evangelizadora da Igreja no Brasil (Cf. At 2, 32-47; At 4, 32-37; At 5, 14-16), a saber: o pilar da Palavra, com a iniciação à vida cristã e a animação bíblica de toda a ação da Igreja; o pilar do Pão, com a liturgia e a espiritualidade; o pilar da Caridade, com o serviço à vida plena; o pilar da ação missionária, para colocar a missão de Jesus no coração da Igreja.
Na crise atual da sociedade, é necessário anunciar os valores do Reino de Deus e denunciar o que é contra este Reino. Jesus, “oferecendo-se na cruz, vítima pura e pacífica, realizou a redenção da humanidade. Submetendo ao seu poder toda criatura, entregará à infinita majestade do Pai um reino eterno e universal: reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino de justiça, do amor e da paz” (Cf. Prefácio da Solenidade de Cristo Rei). A melhor maneira é viver com coerência a fidelidade o Evangelho. A vida então questionará os outros pelo testemunho, ajudando-os a se voltarem para os mesmos valores: “A Boa Nova há de ser proclamada, antes de mais, pelo testemunho. Suponhamos um cristão ou punhado de cristãos que, no seio da comunidade humana em que vivem, manifestam a sua capacidade de compreensão e de acolhimento, a sua comunhão de vida e de destino com os demais, a sua solidariedade nos esforços de todos para tudo aquilo que é nobre e bom. Assim, eles irradiam, de um modo absolutamente simples e espontâneo, a sua fé em valores que estão para além dos valores correntes, e a sua esperança em qualquer coisa que se não vê e que não se seria capaz sequer de imaginar. Por força deste testemunho sem palavras, estes cristãos fazem aflorar no coração daqueles que os veem viver, perguntas indeclináveis: Por que é que eles são assim? Por que é que eles vivem daquela maneira? O que é, ou quem é, que os inspira? Por que é que eles estão conosco? (Evangelii Nuntiandi 21).
Mais alguns passos para construir a Igreja, como Casa sobre a Rocha. Recordemos que “de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único” (Jo 3, 16), a fim de que todos tivéssemos a vida por meio dele (1 Jo 4, 16). Todos bebemos do único Espírito e nos revestimos do único Cristo. No dia de Pentecostes, quando veio o Espírito Santo (At 2), os discípulos não saíram cada um levando sua chamazinha na cabeça. O Espírito é indivisível. Descendo sobre os apóstolos, ele os fez um corpo em Cristo (Cf. 1 Cor 12, 27), A história da salvação é justamente a da reconstrução da unidade em Cristo.
O Filho de Deus, vencendo a morte com sua morte e ressurreição, fez dos fiéis um só coração e uma só alma, seu Corpo Místico. É nesse corpo que a vida de Cristo se difunde nos que creem, unidos de modo misterioso e real, por meio dos sacramentos, a Cristo padecente e glorioso. Pelo Batismo somos assimilados a Cristo: “todos nós fomos batizados no mesmo Espírito, para formarmos um só corpo” (Cf. 1 Cor 12, 13). E ao participar realmente do corpo do Senhor, na fração do pão eucarístico, somos elevados à comunhão com ele e entre nós “porque há um só pão, nós, que somos muitos, formamos um só corpo, visto participarmos todos do único pão” (Cf. 1 Cor 10, 17).
Redescubramos a necessidade de santificar-nos juntos, como Igreja, e não isoladamente. Trata-se de um deslocamento da orientação espiritual, buscando ser santos por amor, e não por uma espécie de vaidade pessoal! Basta olhar para Jesus! “Eu me consagro por eles, a fim de que também eles sejam consagrados na verdade. Eu não rogo somente por eles, mas também por aqueles que vão crer em mim pela palavra deles. Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti” (Cf. Jo 17, 19-21). Um organismo cujas células são sadias, porém divididas, não sobrevive. Um organismo, porém, cujas células são de vitalidade limitada, mas bem unidas e solidárias, em pouco tempo refloresce, mesmo com suas limitações. É hora de superar uma espiritualidade apenas individual e caminhar para uma espiritualidade de corpo místico, com grande responsabilidade com tudo o que acontece na Igreja (Cf. Cl 1, 24). As dificuldades de minha Comunidade ou Paróquia, de minha Diocese ou da Igreja, são minhas! E eu também posso contar com o Corpo Místico de Cristo!
É hora de quebrar eventuais auréolas criadas por nós mesmos e também quebrar os chifres demoníacos da maldade, da corrupção e da divisão, ou da criação de grupos tendenciosos, dispostos mais a destruir do que a edificar com abertura de coração. Para chegar a isso, buscar a força na Palavra, na Eucaristia, na Oração, na devoção a Nossa Senhora, Mãe da Igreja.
Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.
Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.
Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.