“Nós, que cremos, reconhecemos o amor que Deus tem para conosco. Deus é amor. E ele amou primeiro Deus é amor: quem ama, permanece em Deus, e Deus permanece nele” (1Jo 4, 16). Tal convicção pode e deve orientar toda a nossa existência. E nós sabemos que Deus nos ama porque nos deu o seu próprio Filho, que se entregou por nós, morreu e ressuscitou para a nossa salvação. Há um vínculo definitivo do amor de Deus com a humanidade, que nada e ninguém podem destruir!
No confronto de Jesus com pessoas e grupos, especialmente seus adversários, muitas perguntas lhe são feitas, e algumas delas verdadeiras armadilhas. E o Senhor responde a todas elas com sabedoria. Uma das questões tocava justamente nas prioridades estabelecidas por rabinos sobre o cumprimento da lei e a hierarquia eventualmente existente entre mandamentos. Neste final de semana, estamos diante da pergunta sobre o maior mandamento da lei, apresentada para experimentar Jesus (Mt 22, 34-40), questão mais decisiva do que anteriores debates, como a ressurreição dos mortos ou o imposto a ser pago ao imperador. Aqui estamos diante do cerne da lei e da prática religiosa.
Para Jesus e para todos nós cristãos os dois mandamentos são o coração de nosso relacionamento com Deus. Dois mandamentos! Dois amores? Podemos ser ajudados a responder com a figura de uma árvore. Sob o solo, raízes que se estendem e se aprofundam, amor a Deus, amor de Deus. Mais profundas tais raízes, maior e mais frondosa pode ser a árvore, aquilo que se vê, amor ao próximo. Deus é amor, e quem ama permanece em Deus! Haveremos de manifestar tal amor no dia a dia de nossa vida com fidelidade e dedicação. É ainda a primeira carta de São João que nos ajuda a avançar na compreensão do amor: “Nós amamos, porque ele nos amou primeiro. Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê. E este é o mandamento que dele recebemos: quem ama a Deus, ame também seu irmão” (1 Jo 4, 19-21). O amor a Deus é o primeiro na ordem da decisão que orienta nossa vida. Entretanto, a manifestação desse amor será necessariamente o amor ao próximo, justamente porque amar a Deus exige fazer o que lhe agrada, que é amar e servir ao próximo.
Parece oportuno esclarecer alguns níveis nos quais se expressa o amor ao próximo. Podemos começar em casa! Já a própria natureza estabelece um vínculo profundo entre os membros de uma família, esposos, pais e filhos, irmãos e irmãs. Entretanto, não é raro encontrar conflitos justamente dentro das famílias, quando as pessoas começam a se estranhar! Curioso e doloroso é constatar que dificuldades entre marido e mulher descambem com muita rapidez num processo de separação, quando não se percorreram etapas fundamentais cujo segredo se chama perdão. Famílias se desfazem ou apenas administram separações, com consequências desastrosas para a parte mais fraca, quase sempre os filhos! É que em casa deve encontrar lugar uma regra de ouro, fazer aos outros aquilo que desejamos para nós mesmos. Depois e mais profundo ainda, o reconhecimento da presença de Jesus nos outros, insistimos, começando em casa! O esposo ou esposa, os filhos ou irmãos, todos descubram de novo que tudo o que fazem uma aos outros é feito a Jesus! Tal amor há de levar a perdoar setenta vezes sete vezes!
Abrindo o leque, será possível descobrir as curas a serem experimentadas no relacionamento com o próximo. Se saímos de casa, o amor de Deus cultivado conduzirá a ver o próximo, onde quer que esteja, como candidato ao nosso amor, não como concorrente ou potencial inimigo. Uma saudação matutina na rua, no transporte coletivo ou no trabalho, pode ser um bom começo! São incontáveis as oportunidades oferecidas pela providência divina para amar o próximo! O único amor, que tem em Deus sua fonte, amplia sua presença!
A árvore do amor estende seus ramos na sensibilidade nascida dos dons de cada pessoa. É amor fazer o bem que cada um sabe fazer, oferecer suas capacidades, superar invejas e ciúmes, valorizar os dons dos outros, somar ao invés de dividir. É magnífica a lista de atitudes propostas por São Paulo: “O amor seja sincero. Detestai o mal, apegai-vos ao bem. Que o amor fraterno vos una uns aos outros, com terna afeição, rivalizando-vos em atenções recíprocas. Sede zelosos e diligentes, fervorosos de espírito, servindo sempre ao Senhor, alegres na esperança, fortes na tribulação, perseverantes na oração. Mostrai-vos solidários com os santos em suas necessidades, prossegui firmes na prática da hospitalidade. Abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis. Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram (Rm 12, 9-15). Trata-se de fazer uma sadia competição de serviço mútuo!
Como o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5, 5), amplia-se nosso horizonte. O amor deve saber escolher o ambiente para suas manifestações. Olhar lá longe, onde se encontram os mais necessitados e, quem sabe, desprezados! Uma proposta é que cada pessoa identifique uma situação humana à qual dedicar-se para exercitar o amor ao próximo. O Espírito Santo suscitará a criatividade de cada um de nós, para que o bem seja feito. Até chegar a quem está distante, certamente estaremos treinados através dos gestos de amor e serviço feitos a quem está perto! Aproxima-se a Jornada Mundial dos Pobres, que é preparada em nossa Arquidiocese com dedicação de tantas pessoas e pastorais. É hora de abrir os braços e o coração para descobrir esta nova sensibilidade!
O amor de Deus e do próximo se manifesta ainda na percepção dos grandes problemas sociais existentes. Pensemos no engajamento de cristãos católicos no ambiente político, e este é um período desafiador para tantos! E quem trabalha no serviço público pode aproveitar esta graça para uma maior sensibilidade ao bem comum, ou superar a sempre presente tentação da corrupção. O único amor, que vem de Deus e se manifesta em nossas atitudes, abre ainda nosso coração para o cuidado da casa comum, como tem insistido a Igreja. O mesmo amor de Deus! E Deus é amor! E quem ama permanece em Deus!
Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.
Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.
Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.