O Antigo Testamento conheceu e ofereceu ao Povo de Deus profetas, reis e sacerdotes, homens chamados a funções de liderança, com a responsabilidade de manter viva a esperança no cumprimento das promessas de Deus. No confronto com outras nações, não se pode dizer que o povo escolhido tenha encontrado pleno sucesso em suas empresas, sendo até considerado pequeno e frágil diante dos poderes que com frequência o oprimiram. Faz parte de sua história a escravidão no Egito, o confronto com os Filisteus, o Exílio na Babilônia, perseguições, tudo o que se pode pensar em termos de crises de relacionamento com as nações. Além disso, não foram raras as crises internas, brigas pelo poder, infidelidades constantes, próprias de um povo de cabeça dura!
Mesmo assim, um santo orgulho sustentou a sua história, a certeza de ter sido escolhido como sinal para as nações, coragem para anunciar a fé num Deus único e verdadeiro e a busca de fidelidade ao Senhor. Moisés, cuja presença sintetiza toda a lei dada por Deus ao seu povo, é também chamado profeta (Cf. Dt 18, 15-20). Exerceu função de liderança, conduzindo-o pelas vicissitudes do deserto, malgrado todas as reações negativas daqueles que caminhavam em busca da terra prometida. Certo de que seus dias caminhavam para o ocaso, anunciou um novo profeta semelhante a ele, em cuja boca estariam plenamente as palavras do Senhor.
O correr dos séculos manteve viva a esperança, passaram outros profetas, homens e mulheres tiveram funções importantes na caminhada do povo, mas tudo evoluiu para expectativa do Messias, aquele que realizaria todas as promessas, vindo com autoridade e força. A figura de Jesus de Nazaré, como no-lo apresenta o início do Evangelho de São Marcos (Cf. Mc 1, 14-28), encontra um povo admirado, perplexo diante de suas palavras e seu modo de agir. Anuncia a chegada do Reino de Deus, proclama a necessidade de conversão, mostra que nele os tempos se completaram. As páginas dos Evangelhos relatam prodígios e sinais, força diante dos elementos da natureza, cura das enfermidades e a vitória sobre morte, além do poder sobre a ação do demônio.
Na Sinagoga de Cafarnaum, Jesus é admirado pelos seus ensinamentos e pela decisão com que enfrenta o poder do maligno. Ele é portador de uma doutrina nova, oferecida com autoridade, diferente das desgastadas autoridades de seu tempo. O Evangelho de São Marcos é um roteiro para conhecer a identidade de Jesus. Já em suas primeiras páginas as pessoas se interrogam: “Que é isto? Um ensinamento novo, e com autoridade: ele dá ordens até aos espíritos impuros, e eles lhe obedecem!” (Mc 1, 27). O tempo vai mostrar que seu poder tem uma fonte, o fato de ser filho de Deus. Será necessário que um soldado romano, um pagão, o proclame quando Jesus morre na Cruz (Cf. Mc 15, 19). “E sua fama se espalhou rapidamente por toda a região da Galileia” (Mc 1, 28).
As qualidades e as misérias humanas acompanharam também a história da Igreja. Quantas vezes apanhamos e sofremos muito por aceitar compromissos inadequados com grupos e estruturas de poder! Quanto precisamos nos converter para escolher o serviço, no modelo do lava-pés! Todas as responsabilidades confiadas aos cristãos, ao longo da história da Igreja, deverão ter como ponto de referência o seu Senhor e Salvador. Vale sempre a pena, seja qual for a tarefa confiada a cada um de nós, fazer a pergunta a respeito do modo como Jesus enfrentaria cada uma das situações desafiadoras de cada época, inclusive a nossa!
E justamente em nossa época se espalha uma grave crise de liderança em todas as áreas da sociedade. Basta observar as nuvens no horizonte, com os desentendimentos que se multiplicam. Independente das correntes partidárias ou ideológicas existentes, ainda sobrou alguém em quem confiar? Mesmo quando se busca uma renovação radical, onde será possível apegar-se? E vale para todas as áreas da vida social, num tempo em que as pessoas estudam mais, qualificam-se profissionalmente, mas são frágeis para assumir autênticas lideranças.
Algumas indicações podem ser úteis na constituição de novos quadros para a sociedade e também para a Igreja. Passo fundamental é a convicção clara a respeito dos princípios que norteiam o comportamento. Clareza de objetivos, conceitos bem trabalhados, coerência de vida, na qual se supera a tão comum esquizofrenia entre a fé e a vida. Conhecemos pessoas extremamente simples e ao mesmo tempo retilíneas em seu comportamento, nas quais o sim é sim e o não é não. Não mudam de opinião a cada momento (Cf. Artigo de Dom Alberto do dia 25 de janeiro de 2018).
Para tanto, faz-se necessário optar por uma escala de valores consistente e verdadeira. Para dar apenas um exemplo, é bom redescobrir algo tão decisivo quanto raro em nossos dias, a ideia do bem comum. Sem uma verdadeira conversão, na capacidade de priorizar o que constrói o bem de todos, não é possível levar adiante a sociedade. Os grupos de interesse hão de renunciar às suas escolhas diante do bem maior, o que corresponde aos valores da vida, a convivência sadia e equilibrada, a capacidade de perder para o outro ganhar. Uma liderança autêntica pede ainda a fidelidade à palavra dada. Quem dera os nossos líderes prometessem menos para fazer mais e adquirissem um senso de maior realismo, que os leve a priorizar o que edifica o bem dos mais pobres e não apenas obras de grande visibilidade.
Em que nível cada um de nós pode exercer liderança? Cedo ou tarde, começando pelas funções de pais e mães, passando pelas escolas, até pelos times que praticam esportes, chegando à chefia ou responsabilidade numa área de trabalho. Todos podem exercitar alguma função de liderança. E vale ainda a liderança do bom exemplo e da boa companhia, o esforço para não escandalizar quem quer que seja, com nossas palavras e atitudes. Sempre aparecerá a ocasião para cada um responder, em primeira pessoa, ao chamado de Deus que o faz responsável pela vida da Igreja e do mundo. Aí também resplandeça “um ensinamento novo, dado com autoridade”.
Vejamos a força e a autoridade “diferente” no sentido positivo, na recente mensagem do Papa Francisco em vista da Assembleia Eclesial da América Latina e Caribe, a ser realizada no mês de novembro do corrente ano: “Gostaria de lhes dar dois critérios para acompanhá-los neste tempo, um tempo que abre novos horizontes de esperança para nós. Primeiro, junto com o povo de Deus: que esta Assembleia não seja uma elite separada do santo povo fiel de Deus. Junto com o povo: não se esqueça, somos todos parte do povo de Deus, somos todos parte dele. O povo de Deus, que é infalível “in credendo”, como nos diz o Concílio, é que nos dá a pertença. Do povo de Deus surgem as elites, as elites iluminadas por uma ideologia ou outra, e esta não é a Igreja. A Igreja se dá no partir do pão, a Igreja se dá com todos, sem exclusão. Uma Assembleia de Igreja é o sinal de uma Igreja sem exclusão. E outra coisa a ter em mente é a oração. O Senhor está em nosso meio. Que o Senhor se faça ouvir, daí nosso pedido de que Ele esteja conosco”.
Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.
Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.
Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.