Nas Bodas de Caná ficou muito claro que o vinho novo das promessas de Deus é melhor do que as eventuais providências humanas. Deus sempre nos supera, sem desvalorizar o esforço humano. Somos os servos chamados a encher as talhas de água, que eram destinadas às purificações dos judeus. Nem eram águas cristalinas! Hoje é melhor do que ontem, e amanhã será melhor do que hoje!
Neste final de semana celebramos a festa da Ascensão do Senhor. Despedidas foram feitas e a missão começou. Em poucos dias, depois da novena de orações realizada, no Cenáculo, acompanhados por Maria, Mãe de Jesus, a Igreja nascente, os discípulos da primeira hora, experimentam a grande efusão do Espírito Santo, começando um tempo, nossa história, que vai até a vinda do Senhor, quando Deus for tudo em todos! Costumamos chamá-lo de “tempo do Espírito”! Até lá, a visibilidade de sua presença e ação está em nossas mãos, sob nossa responsabilidade! Olhar para as coisas do alto, mirar a eternidade, apaixonar-se pelo Reino de Deus, ter pensamentos semelhantes aos de Deus (Cf. Is 55,8; Jr 29,11).
Mesmo quando nos cabe analisar os fatos negativos de nossa história pessoal, da Igreja ou da sociedade, é próprio do cristão ir lá dentro da realidade das pessoas e descobrir a semente de bem, plantada pelo Espírito Santo de Deus, para afofar a terra em volta e possibilitar a germinação do que é bom para as pessoas e contribuir no crescimento do Reino de Deus e sua Igreja. Olhar, sim para o passado, a partir de dois ângulos: agradecer o bem que foi feito e pedir perdão pelas falhas cometidas. Encarar o momento presente com realismo, fazendo o bem que nos é possível. Olhar o futuro com esperança. Esta é a nossa tarefa. Entretanto, o desafio será sempre, e parece contraditório, ter saudade do futuro, daquilo que é melhor, do que vem de Deus e de suas promessas, para superar as lamentações e queixas costumeiras, apontando para o que é melhor, cuja fonte genuína só pode estar em Deus.
Por falar em tempo e história, a mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, celebrado na Festa da Ascensão do Senhor, com o título “Para que possas contar e fixar na memória” (Ex 10, 2) – A vida faz-se história”, o Papa diz que “precisamos de respirar a verdade das histórias boas: histórias que edifiquem, e não as que destruam; histórias que ajudem a reencontrar as raízes e a força para prosseguirmos juntos. Na confusão das vozes e mensagens que nos rodeiam, temos necessidade de uma narração humana, que nos fale de nós mesmos e da beleza que nos habita; uma narração que saiba olhar o mundo e os acontecimentos com ternura, conte a nossa participação num tecido vivo, revele o entrançado dos fios pelos quais estamos ligados uns aos outros”.
Os dias que vivemos recolhidos em casa podem servir para contarmos de novo as histórias de nossas famílias. Certamente, muitos avós puderam narrar de novo, inclusive enfeitando de heroísmo as gerações passadas, a história da família. “O homem é um ente narrador. Desde pequenos, temos fome de histórias, como a temos de alimento. Sejam elas em forma de fábula, romance, filme, canção, ou simples notícia, influenciam a nossa vida, mesmo sem termos consciência disso. Muitas vezes, decidimos aquilo que é justo ou errado com base nos personagens e histórias assimiladas. As narrativas marcam-nos, plasmam as nossas convicções e comportamentos, podem ajudar-nos a compreender e dizer quem somos” (Papa Francisco).
O futuro encontra também luzes no passado glorioso, fazendo com que o presente aponte para ideais mais altos. Faz-se, entretanto, necessário o discernimento, diante de muitas notícias falsas que comprometem as decisões e os passos em direção ao futuro. Já nas origens, histórias falsas comprometeram a vida humana na terra, como observa o Papa: “Se comeres, tornar-te-ás como Deus” (Cf. Gn 3, 4): esta tentação da serpente introduz, na trama da história, um nó difícil de desfazer. ‘Se possuíres…, tornar-te-ás…, conseguirás’ Quantas histórias nos narcotizam, convencendo-nos de que, para ser felizes, precisamos continuamente de ter, possuir, consumir. Quase não nos damos conta de quão ávidos nos tornamos de bisbilhotices e intrigas, de quanta violência e falsidade consumimos” (Papa Francisco).
Como tecer o futuro, com os valores que nos foram legados pela Escritura, pela Igreja e por nossas famílias? O futuro seja considerado como missão, uso adequado de nossa liberdade para comunicar o bem, purificando nossas conversas e descobrindo o bem nos acontecimentos e nas pessoas. Há sempre um misterioso fio de ouro, com o qual Deus tece nossas vidas e a história. Abertos ao Espírito Santo, e estamos no Tempo do Espírito!
Acreditar no futuro que vem de Deus suscita ainda nossa criatividade, a disposição para colocar os dons pessoais a serviço do bem comum. Quantas qualidades e capacidades ficam guardadas e escondidas, sem saírem à vida pública, quando poderiam ser reconhecidas como dons de Deus, como realmente o são. Mais pessoas poderiam assumir tarefas na sociedade, saindo das críticas azedas que fazem pensar e agir como se tudo estivesse perdido!
Enfim, ter saudade do futuro pode significar para todos nós a certeza de que Deus é Senhor da História. Se vale para a presente pandemia, quando repetimos tanto “vai passar”, valha também para a nossa vida pessoal e familiar, na superação de complexos de inferioridade e a baixa autoestima. Vale rezar com o salmista: “Senhor, meu Deus, a ti clamei e me curaste. Senhor, tu me fizeste voltar do abismo, restituíste-me a vida para eu não descer à sepultura. Cantai hinos ao Senhor, ó seus fiéis, rendei graças à sua santa memória; porque sua ira dura um instante, a sua bondade, por toda a vida. Se de tarde sobrevém o pranto de manhã vem a alegria (Sl 29,3-6).
Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.
Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.
Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.