ESCADA DE JACÓ

Jesus subiu ao Tabor com seus três discípulos (cf. Lc 9,28-36) para rezar! Ali ele se transfigurou, apareceram testemunhas qualificadas, Moisés e Elias, e fez-se ouvir a voz do Pai, quando estavam envolvidos na nuvem, apontando para o Espírito Santo! Imenso valor dado por Deus àqueles três homens e a todos nós, um presente para não nos escandalizarmos com o mistério da Cruz, pela qual Jesus e todos nós chegamos à glória e à vitória.

Entretanto, desta feita o Segundo Domingo da Quaresma, com o qual aprendemos a fidelidade de Jesus e a nossa às consequências da Encarnação, fazendo-nos vislumbrar os efeitos da graça batismal, suscitou uma lembrança da escada de Jacó (Gn 28,10-22), em cujo sonho subiam e desciam os Anjos de Deus. Ali ele experimentou estar na Casa de Deus e Porta do Céu, e Jacó chamou de Betel aquele lugar! No encontro com Natanael (Jo 1,51), Jesus se reporta a esta escada, anunciando a profunda comunhão entre o Céu e a Terra, cujo anúncio e realização nele mesmo acontecem! 

De fato, quando Jesus e seus discípulos sobem ao Monte para rezar, o Céu desce à terra, com a manifestação da glória de Deus, a voz do Pai, que assegura aos amigos temerosos ser ele o Filho, o Escolhido, cuja Palavra há de ser ouvida e plenamente acolhida. No plano de Deus, há de existir comunhão profunda entre o Céu e a Terra, e a acolhida a Jesus Cristo e sua Palavra estabelece a estrada para esta desejada aproximação, de modo que os critérios do Céu aqui se estabeleçam! E é bom recordar que o Senhor, quando nos deu o “seu” mandamento trouxe exatamente estes critérios: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” (Jo 15,12). O modo de viver na Santíssima Trindade desceu à terra e se transformou em mandamento para os que creem. 

Na criação do mundo, segundo a narrativa do Livro do Gênesis, Deus vem do alto, cria o mundo e nele estabelece a presença humana. Aos homens e mulheres cabe cuidar da magnífica obra, vinda da arte eterna e criativa de Deus: “Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a! Dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que se movem pelo chão’. Deus disse: ‘Eis que vos dou, sobre toda a terra, todas as plantas que dão semente e todas as árvores que produzem seu fruto com sua semente, para vos servirem de alimento. E a todos os animais da terra, a todas as aves do céu e a todos os animais que se movem pelo chão, eu lhes dou todos os vegetais para alimento’. E assim se fez. E Deus viu tudo quanto havia feito, e era muito bom. Houve uma tarde e uma manhã: o sexto dia” (Gn 1,28-31). Não há semente de maldade na criação de Deus. Tudo o que pensou e fez é muito bom!

Reportamo-nos à Encíclica Laudado si’, do Papa Francisco, onde recolhemos o ensinamento sobre o cuidado com a natureza: “Não somos Deus. A terra existe antes de nós e foi-nos dada. Isto permite responder a uma acusação lançada contra o pensamento judaico-cristão: foi dito que a narração do Gênesis, que convida a ‘dominar’ a terra (cf. Gn 1, 28), favoreceria a exploração selvagem da natureza, apresentando uma imagem do ser humano como dominador e devastador. Mas esta não é uma interpretação correta da Bíblia, como a entende a Igreja. Se é verdade que nós, cristãos, algumas vezes interpretamos de forma incorreta as Escrituras, hoje devemos decididamente rejeitar que, do fato de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas. É importante ler os textos bíblicos no seu contexto, com uma justa hermenêutica, e lembrar que nos convidam a ‘cultivar e guardar’ o jardim do mundo (cf. Gn 2, 15). Enquanto ‘cultivar’ quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno, ‘guardar’ significa proteger, cuidar, preservar, velar. Isto implica uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza. Cada comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de a proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras. Em última análise, ‘ao Senhor pertence a terra’ (Sl 24, 1), a Ele pertence ‘a terra e tudo o que nela existe’ (Dt 10, 14). Por isso, Deus proíbe-nos toda a pretensão de posse absoluta: ‘Nenhuma terra será vendida definitivamente, porque a terra me pertence, e vós sois apenas estrangeiros e meus hóspedes’” (Lv 25, 23) (LS 67).

Cabe-nos entrar na dinâmica da Transfiguração, coerentes em tudo com a graça batismal recebida, cuidando com o amor que desce do Céu de tudo o que existe. Podemos ir ao encontro das sementes de bondade que existem no coração das pessoas, superando julgamentos e condenações. Uma pessoa bem amada não se desfigura, mas se transfigura! Acolhamos ainda do plano de Deus o olhar positivo e otimista diante da criação. Saber admirar a natureza, a arte com que Deus a pensou, através dos mistérios nela mesma escondidos, isso nos fará mais alegres e nos possibilitará identificar os traços do Céu na Terra. E nasça em nós o gosto pela harmonia, a capacidade de olhar ao redor para aproveitar todos os elementos possíveis para que o mundo seja bem cuidado. Arrumar a casa, vestir-se com gosto, falar coisas boas, elogiar a beleza e o bem! Atos de amor correspondentes ao plano de Deus!

A Campanha da Fraternidade de 2025, com tema tão desafiador quanto importante, “Fraternidade e Ecologia Integral”, sugere práticas de cuidado com a criação de Deus que, em si é boa, mas muitas vezes maltratada por aqueles que receberam de Deus a responsabilidade de “cuidar”. É bom acolher o convite àquilo que tem sido chamado de “Conversão Ecológica”, assumindo práticas sustentáveis. É conversão por se tratar de um processo, lento, mas seguro e fundamental, no qual todos somos chamados a nos comprometer. Aqui, podemos abrir os olhos e assumir práticas diferentes, por exemplo, no modo de recolher o lixo e todos os resíduos, com a possível coleta seletiva e tratamento adequado, a diminuição do uso do plástico, a alimentação mais adequada, com práticas e cuidados sustentáveis e mais saudáveis.

A nós cabe ajudar o mundo a se transfigurar! Entretanto, só com a conversão a Deus e ao Evangelho entenderemos e nos comprometeremos com tais ideias e iniciativas!

Presidente da Rede Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.

Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.

Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.

Dom Alberto Taveira Corrêa

Arcebispo Metropolitano de Belém

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