A Igreja no Brasil tem o costume de dedicar o mês de agosto às vocações. Vocação é chamado, e ocorre no maravilhoso mistério do diálogo de Deus com cada pessoa, contando com os meios habituais para discernir o bem, assim como outros instrumentos inspirados pelo Espírito Santo. Estamos, sim, no horizonte da fé, em que acreditamos na graça de Deus, capaz de vir ao encontro de cada pessoa sem violentar a liberdade com a qual todos fomos criados.É adequado considerar que a formação cristã começa com o ambiente de amor com o qual fomos gerados. Não existe “berço de ouro”, mas regaço de amor dado por Deus, para que se desenvolva plenamente um chamado de filhos e filhas de Deus. O primeiro ato “catequético” ocorre quando um homem e uma mulher geram uma nova vida. Ali, mediado pelo relacionamento de amor, o raio de luz que é o amor de Deus interfere no ato conjugal humano, levando em conta que a fé nos leva a considerar que cada alma humana é criada diretamente por Deus (Cf. Pio XII, Encíclica Humani Generis, número 36). Não somos apenas um fenômeno físico-químico, mas pensados por Deus desde toda a eternidade para a felicidade e a plena realização. É claro que a experiência da fé cristã vivida com intensidade, no decorrer da vida de cada pessoa, pode e deve restaurar as eventuais falhas de amor com as quais pode ter acontecido a geração de uma vida! O mistério do amor de Deus ilumina os recantos de nossa vida, malgrado todas as lacunas descobertas em nossa história!
O ambiente familiar, no qual nascem as pessoas, é o espaço privilegiado para identificar o chamado de Deus. Trata-se de descobrir que ninguém veio ao mundo por acaso, mas destinado a ser um dom de amor para os outros e receber tudo o que vem das outras pessoas com o mesmo amor. Os gestos com os quais os pais manifestam afeto e carinho aos filhos são canais por onde passa o próprio amor de Deus, fonte e raiz de todo chamado. E, pouco a pouco, começando pelo sorriso lindo das crianças, vai nascendo a reciprocidade ao amor que é oferecido. Este ambiente, talvez considerado demasiadamente idílico por muitos, é projeto de Deus para todos!
Nasce a pergunta sobre os que não tiveram experiências positivas de família, e vem logo à tona a resposta, que são os muitos exemplos de homens e mulheres que encontraram na infância e na adolescência a experiência positiva do amor em pessoas que adotaram, cuidaram, foram exemplos positivos e edificantes. Há muitos que descobriram praticamente sozinhos seu lugar na Igreja e na Sociedade. Se em muita gente podem ter crescido sentimento de revolta, muitos são os exemplos de verdadeiros heróis, na superação de traumas e sofrimentos, tornando-se referência para outros, indicando que onde não se achou amor, o remédio foi colocar amor, para encontrá-lo em abundância, recordando uma feliz expressão de São João da Cruz.
É ainda a família a grande escola e o espaço para o crescimento na capacidade de amar, pois todos somos chamados a encontrar nossa forma de nos doarmos. Isso é vocação! Sabemos que todo homem e toda mulher são uma obra-prima de Deus, seres únicos e irrepetíveis, criados por amor e lançados por amor na divina aventura da vida. Em família há de se desenvolver a capacidade de amar, a prontidão para o serviço e o autocontrole, que ajuda a pessoa a se purificar do egoísmo. Sem este exercício, o máximo que se conseguirá será a escolha de uma profissão, mas não a descoberta maravilhosa do plano de Deus. Quando uma pessoa alcançou certo equilíbrio, ao menos suficiente, e sabe sair do próprio egoísmo para doar-se, então é livre e se encontra nas condições normais para aceitar o chamado de Deus ao matrimônio ou à virgindade, castidade ou celibato. Sim, as duas formas de amar e de entregar a própria vida!
Para levar adiante o discernimento, faz-se necessário verificar os dons que as pessoas têm, suas capacidades e o desenvolvimento das mesmas desde a infância, mas sobretudo na adolescência e juventude. Faz-se então necessário que a família se abra aos espaços de socialização em suas respectivas comunidades e especialmente na vida de Igreja. Uma criança que passa pelo processo de iniciação cristã, vindo a receber os sacramentos a ela correspondentes, descobrindo a beleza da Palavra de Deus, a doutrina da Igreja e a graça da participação na Santa Missa terá abertas as possibilidades para fazer a pergunta sobre a vontade de Deus em sua vida, sobre vocação.
Em família e na Comunidade cristã sejam desenvolvidos os valores da retidão, da honestidade, sinceridade, assim como a prática das virtudes. E é fundamental que tal processo seja preventivo, como magistralmente entendeu São João Bosco, para antecipar-se à avalanche de contravalores existentes na sociedade. É bom que as famílias tomem consciência de que, encaminhando seus filhos à vida de Igreja, estão apenas e tão somente oferecendo o que existe de melhor, superando assim a ideia tão difundida quanto negativa de que seria necessário soltar os filhos para fazerem todo tipo de experiência. Com sabedoria e prudência, é necessário inclusive formar as novas gerações para um senso de limite, correspondente ao bem comum, às leis de Deus e, afinal de contas, à vocação para o amor e não para o egoísmo, que Deus plantou no coração humano.
Nos Evangelhos, existe uma forma de vocação, o chamado direto, feito por Jesus. Este pode e deve ser um caminho, graças a Deus presente também em nossas comunidades cristãs, quando alguém olha nos olhos de um jovem ou uma jovem e tem coragem para perguntar se alguma vez o chamado de Deus bateu às portas de seu coração! E os grupos, pastorais e movimentos de Igreja têm sido matriz para excelentes vocações ao matrimônio e para a consagração a Deus. Aliás, não é bom esquecer que o matrimônio exige, sim, vocação, prontidão para permitir que alguém entre na própria vida vinte e quatro horas por dia, a vida inteira! Dentre as realidades humanas, o matrimônio é sem dúvida a mais linda e a maior que Deus criou. Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou. É uma forma de consagrar-se a Deus!
Se vale chamar alguém para uma vocação na Igreja, vale mais apelar para o dono da messe, orando insistentemente a fim de que tenhamos casais operários da messe, religiosos e religiosas operários da messe, membros das novas comunidades que sejam mesmo operários, sacerdotes e diáconos verdadeiramente operários. Que Deus nos conceda ser um povo efetivo de trabalhadores em sua messe, abertos para os desafios do tempo presente, prontos a oferecer o melhor de nós mesmos para que cresça o Reino de Deus e sua Igreja.
Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.
Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.
Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.