Numa das estrofes do Hino do XVII Congresso Eucarístico Nacional, realizado em Belém do Pará, encontra-se uma belíssima e provocante palavra de São Paulo VI, citada no início do Documento Final do Sínodo dos Bispos para a Pan-Amazônia: “Cristo aponta para a Amazônia”, a que se segue uma afirmação com grandes consequências: “Ele liberta todos do pecado e outorga a dignidade dos Filhos de Deus. A escuta da Amazônia, no espírito próprio do discípulo e à luz da Palavra de Deus e da Tradição, leva-nos a uma profunda conversão dos nossos planos e estruturas a Cristo e ao seu Evangelho” (Cf. Documento final, a partir do número 5). Como temos feito, oferecemos reflexões que retratam grandes temas presentes no Sínodo, muito além de versões correntes, tantas vezes maldosas e prejudiciais.
Na criação do mundo, Deus viu que tudo era bom! No sétimo dia, tudo foi visto como de uma beleza inigualável. Afinal de contas, nenhum artista pode ser melhor do que ele! Em toda a criação se encontram os vestígios de sua obra criadora. Também em nossa Amazônia os dedos de Deus se manifestaram de forma estupenda. Os Padres Sinodais souberam continuar este louvor pela obra de Deus: “Na Amazônia, a vida está inserida, ligada e integrada ao território, que, como espaço físico vital e nutritivo, é possibilidade, sustento e limite de vida. A Amazônia é um extenso território com uma população estimada em trinta e três milhões e seiscentos mil habitantes, dos quais cerca de dois milhões e meio são indígenas. Esta área, composta pela bacia do rio Amazonas e todos os seus afluentes, estende-se por nove países: Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Brasil, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. A região amazônica é essencial para a distribuição das chuvas nas regiões da América do Sul e contribui para os grandes movimentos de ar ao redor do planeta; atualmente é a segunda área mais vulnerável do mundo em relação às mudanças climáticas. A água e a terra desta região alimentam e sustentam a natureza, a vida e as culturas de inúmeras comunidades indígenas, camponesas, afrodescendentes, caboclos, colonos, ribeirinhos e habitantes dos centros urbanos. A água, fonte de vida, possui um rico significado simbólico. Na região amazônica, o ciclo da água é o eixo de interligação. Interliga ecossistemas, culturas e o desenvolvimento do território. Na região amazônica há uma realidade pluriétnica e multicultural. Os diferentes povos souberam adaptar-se ao território. Dentro de cada cultura, construíram e reconstruíram sua cosmovisão, seus símbolos e significados, e a visão de seu futuro. Nas culturas e povos indígenas, práticas antigas e explicações culturais e religiosas coexistem com tecnologias e desafios modernos. Os rostos que habitam a Amazônia são muito variados. Além dos povos originários há uma grande miscigenação nascida com o encontro e o desencontro de diferentes povos. A busca dos povos indígenas amazônicos pela vida em abundância se concretiza no que eles chamam de “bem viver”, e que se pode realizar-se plenamente nas Bem-Aventuranças. Trata-se de viver em harmonia consigo mesmo, com a natureza, com os seres humanos e com o ser supremo, pois existe uma intercomunicação entre todo o cosmos, onde não há excluidores nem excluídos, e onde podemos criar um projeto de vida plena para todos. Tal compreensão da vida é caracterizada pela interligação e harmonia das relações entre água, território e natureza, vida comunitária e cultura, Deus e as várias forças espirituais. Para eles, bem viver significa compreender a centralidade do caráter relacional transcendente dos seres humanos e da criação, e implica um bem fazer” (Cf. Documento do Sínodo, 6-9). É possível entoar o canto de louvor pela criação também entre nós!
Olhando para a criação e para o nosso ambiente amazônico, ouçamos o Papa, na Encíclica Laudato Si (LS 67): “Devemos decididamente rejeitar que, do fato de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas. É importante ler os textos bíblicos no seu contexto e lembrar que nos convidam a cultivar e guardar o jardim do mundo (Cf. Gn 2, 15). Enquanto cultivar quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno, guardar significa proteger, cuidar, preservar, velar. Isto implica uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza. Cada comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de protegê-la e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras. Em última análise, ao Senhor pertence a terra (Sl 24/23, 1), a ele pertence a terra e tudo o que nela existe” (Dt 10, 14).
No correr dos séculos, a história da salvação se desenrolou na escolha de um povo, que foi feito sinal para os outros povos. Este povo recebeu em herança responsabilidade de guardar a terra e custodiar a aliança feita e renovada sucessivamente com sucessivas gerações. Entretanto, outros “poderes” vieram continuamente competir com aquele de Deus, e foi necessário purificar este povo escolhido, para que aprendesse a olhar para o alto e reconhecer o amor e a presença de Deus, para que só ele viesse a reinar, dando vida a este mesmo povo, pois o Senhor não tira nada, antes dá tudo o que é bom à humanidade e a todas as suas criaturas.
Quando veio o Senhor e Salvador, Jesus Cristo, começou anunciando o Reino de Deus, contou parábolas que apontam para este Reino, muitas delas com imagens vindas da natureza, afirmou diante das autoridades o seu poder e reinado, que não é comparável aos poderes deste mundo. Ele mesmo alertou: “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: ‘Está aqui’, ou: ‘Está ali’, pois o Reino de Deus está no meio de vós” (Lc 17, 20-21).
A criação está aí à nossa disposição, mas sem acolher o Reino de Deus e o seu convite a buscar seus valores e suas leis, a humanidade volta ao caos e se destrói! Vale para as relações com a natureza e mais ainda para a vida das pessoas. Se queremos seguir a Jesus Cristo, Rei do Universo, devemos ser fermento e sinal de salvação, para construir um mundo mais justo, mais fraterno e mais solidário, um mundo inspirado nos valores evangélicos da esperança, da vida verdadeira a que somos chamados, e também cuidar do jardim do mundo! Assim é o Reino de Deus, e todos nós somos chamados a trabalhar por ele e estendê-lo.
A Solenidade de Cristo Rei do Universo foi instituída para mostrar Jesus como o único soberano da natureza e da vida humana, diante de uma sociedade que parece querer viver de costas para Deus, ridicularizar a Cruz e a mensagem do Evangelho, como aconteceu no Calvário (Cf. Lc. 23,35-43). Cristo veio estabelecer o seu Reino, não com a força de um conquistador, mas com a bondade e a mansidão do pastor. Com ele nos comprometemos e nos decidimos a segui-lo.
Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.
Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.
Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.