A Peregrinação e a Porta Santa

O ato de peregrinar e atravessar a Porta Santa são próprios de um ano jubilar. Porém, para que tais gestos não sejam realizados de forma superficial e como mero formalismo, precisamos ter consciência do que significam; só assim serão verdadeira experiência de fé.

O Jubileu 2025 será dedicado à esperança cristã, tendo como lema “Peregrinos da esperança”. Portanto, para aprofundar os gestos da peregrinação e da travessia da Porta Santa, deixemo-nos inspirar pela própria Bula de proclamação desse ano jubilar, entregue pelo Papa Francisco com o título “Spes non confundit” – a esperança não engana (Rm 5,5).

O Jubileu nos chama a redescobrir a vida como peregrinação, um caminho rumo ao Deus que nos criou e nos aguarda como nosso destino último. Ao longo do ano jubilar, a Igreja propõe que peregrinemos até locais sagrados em Roma ou outros locais designados por cada (arqui)diocese, para atravessarmos uma Porta Santa. Tal prática é uma expressão da nossa busca de conversão rumo à santidade (cf. Lv 19,2; Mt 5,38).

Dessa forma, o Jubileu 2025 nos convida a aprofundar a experiência da própria vida como caminho de esperança, tendo Jesus como o Caminho (Jo 14,6) e a Porta (Jo 10,9) para a plenitude de vida. Atravessar a Porta Santa se torna, então, um compromisso de perseverar na esperança movidos pela certeza de que Deus é uma presença misteriosa que nos acompanha e espera ao fim do caminho.

A esperança cristã não é um otimismo ingênuo ou vazio de que “tudo vai dar certo”, mas uma confiança enraizada na vitória de Cristo sobre o mal e a morte. Essa certeza permite encararmos a realidade com profundidade, conscientes de que absolutamente nada nos separará do amor de Deus (Rm 8,39).

Sendo uma virtude teologal, a esperança é um dom divino que não podemos adquirir por nossas próprias forças. Devemos suplicá-la com humildade, como uma âncora a nos sustentar e estabilizar a nossa fé em meio às tempestades do tempo presente. Essa âncora nos mantém firmes, recordando que somos promessa de plenitude, e esperar por essa promessa expressa o desejo natural de felicidade infundido por Deus em nós (cf. CIC 1718). A esperança é como uma âncora lançada não ao fundo de mares rasos ou temporários, mas ao coração profundo da eternidade, que se fez carne e habita entre nós (Jo 1,14), puxando-nos para a travessia definitiva da Porta Santa do Céu.

A esperança cristã, portanto, não engana (Rm 5,5).

Certamente, em nossa peregrinação haverá circunstâncias desafiadoras, para as quais necessitamos de alimentos e remédios espirituais que nos fortaleçam e curem. Alimentos privilegiados são a Palavra de Deus e a Eucaristia. A Palavra de Deus é luz para os nossos passos (Sal 119,105), nutrindo nossa mente e coração com as promessas e a sabedoria divina. A Eucaristia, por sua vez, é o pão vivo que desceu do céu (Jo 6,51), nosso alimento essencial, que nos une a Cristo e nos oferece o vigor espiritual necessário para seguirmos em frente.

Remédios também são indispensáveis, pois inevitavelmente nos feriremos pelo caminho. Por meio da Igreja, Cristo nos oferece a reconciliação sacramental para nos purificar e restaurar a amizade com Ele, renovando-nos para prosseguir peregrinando. Durante o Ano Santo, as indulgências jubilares representam um bálsamo adicional da misericórdia divina oferecendo-nos alívio das consequências temporais do pecado, reafirmando o poder salvífico do amor de Deus.

Ainda, momentos de pausa são imprescindíveis para suportar a longa peregrinação da vida. A oração se revela como oportuno tempo de retiro para estarmos a sós com Deus expressando nossas angústias, anseios e, acima de tudo, nossa esperança na ação divina, certos de que Ele nos escuta e vem ao nosso encontro. A oração, assim, se realiza como diálogo de esperança, educando-nos a confiar e entregar tudo nas mãos de Deus.

Peregrinar em direção à Porta Santa num ano jubilar também nos faz lembrar da importância da solidariedade e da comunhão. Encontramos companheiros, que compartilham a mesma fé e esperança, em nossas comunidades, paróquias, pastorais e movimentos, onde a partilha de experiências e a vivência do amor fraterno nos encorajam a seguir adiante celebrando as alegrias e permanecendo firmes nas dificuldades.

Também somos acompanhados por aqueles que já chegaram ao Destino Último e agora intercedem por nós lá do Céu. Todos os santos, entre eles os mártires, são testemunhos vivos da esperança cristã que nos inspiram e motivam a avançar com exemplos concretos de virtude, coragem e fidelidade ao Senhor.

Como peregrinos, não apenas somos ajudados, mas também somos chamados a nos tornar missionários da esperança, atentos às necessidades dos que nos cercam, como nos ensina a parábola do bom samaritano (Lc 10, 25-37). Devemos olhar para o próximo com compaixão, acolhendo aqueles que geralmente estão à margem do caminho sem condições de empreender suas próprias jornadas. Em cada gesto de caridade temos a oportunidade de evangelizar, compartilhando a esperança que brota da nossa fé concreta.

Essa missão nos convoca a sermos semeadores da paz e defensores da vida, promovendo a dignidade de cada ser humano. É nosso dever estender a mão aos encarcerados, aos doentes, aos jovens, aos migrantes, aos idosos e aos pobres, e a todos os demais necessitados que a Providência nos fizer encontrar em nosso percurso. Cada uma dessas pessoas é sinal concreto da presença do próprio Cristo entre nós (Mt 25, 31-46).

Como cristãos, assumir a responsabilidade de semear concretamente a esperança é uma ajuda para despertar o desejo e favorecer que outros peregrinem até Cristo. Assim, nossa missão se torna um convite à transformação, tanto para nós mesmos quanto para aqueles que encontramos ao longo do caminho, gerando uma espiral de esperança que se renova a cada passo que damos em direção à Porta Santa da plenitude de vida.

Esses aspectos da nossa jornada nos lembram que somos parte de algo maior, a comunhão dos santos, o próprio corpo de Cristo (1Cor 12,27), uma família espiritual que abrange o céu e a terra, onde cada oração e cada gesto de caridade se tornam um bem em favor de todos.

Dentre as diversas companhias em nosso trajeto, temos uma incomparável, Maria, esperança nossa, a quem bradamos suplicando que após o desterro da peregrinação terrestre, nos mostre Jesus, a Porta Santa definitiva a ser atravessada. Por seu exemplo de confiança inabalável em Deus, Maria é Mãe da Esperança. Ela viveu a expectativa da promessa divina, tornando-se um modelo para todos nós que buscamos a realização do nosso desejo profundo de plenitude de vida. Mesmo diante das circunstâncias desafiadoras que nos mostram os Evangelho, especialmente a anunciação e a crucifixão e morte de Jesus, Maria não se desesperou, mantendo viva a esperança do triunfo definitivo manifestado na ressurreição de seu Filho.

Na iconografia cristã, Maria é também representada como Porta do Céu, uma imagem que nos convida a refletir sobre sua intercessão e seu papel em nos guiar até Cristo. Maria nos abre as portas do Reino do Céu, tornando-se a mediadora que nos conduz à travessia final.

Portanto, peregrinar e atravessar a Porta Santa em um ano jubilar é ainda um convite para nos aproximarmos de Maria, que nos precede no caminho, tendo já chegado plenamente à Morada Eterna. Ela nos lembra que, em cada passo que damos em direção à eternidade, ela está ao nosso lado. Em Maria temos a certeza de que a felicidade plena que esperamos e buscamos vai se concretizar.

Por Márcio Wariss Monteiro

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