HOMILIA NA MISSA DE ORDENAÇÃO DE DOM ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO
02/09/2017

MISSA DE ORDENAÇÃO EPISCOPAL DE DOM ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO, SDB, BISPO AUXILIAR DE BELÉM DO PARÁ
OURÉM-PA, 2 DE SETEMBRO DE 2017

Irmãos e irmãs, cidades de Ourém, Capitão Poço e tantas outras ligadas pela fé e o afeto ao acontecimento de Igreja que se celebra hoje nesta Paróquia, acolhidos que somos pelo Bispo Diocesano, Dom Jesús Maria Cizaurre Bergonces, que nos permitiu realizar aqui esta ordenação, e por toda a Diocese de Bragança do Pará, com a presença dos Bispos, Sacerdotes, Religiosos e Religiosas, pessoas consagradas a Deus, provenientes de tantos lugares e todo o Povo de Deus aqui reunido.

A hospitalidade desta terra nos edifica e faz brotar de nossos corações o agradecimento a todas as pessoas que se envolveram na preparação da ordenação episcopal. Saibam que a recepção oferecida no dia 29 de agosto ao Bispo eleito já correu o mundo, multiplicando a alegria de todos nós. Nosso olhar se volta especialmente para Dona Domingas de Assis Ribeiro, mãe da abençoada família de onze filhos. Do Céu, o Senhor Hipólito dos Santos Ribeiro acompanha esta Eucaristia, na comunhão com a Santíssima Trindade, com Nossa Senhora da Conceição, à qual confiamos o ministério do novo Bispo, com os anjos, com São João Bosco, São Domingos Sávio e todos os santos. Sejamos todos revestidos da glória de Deus, que nos envolve com a força de sua Palavra salvadora, a graça do Sacramento da Ordem no Episcopado e a Eucaristia, coração dos corações, o maior tesouro da Igreja.

Todos nós fomos convocados a esta praça pelo desígnio providente de Deus, através do amor do Papa Francisco, que chamou ao Episcopado nosso querido Monsenhor Antônio de Assis Ribeiro, paraense de boa cepa, autêntico Papa-Chibé, sacerdote salesiano até o mais profundo de suas convicções e o exercício de seu ministério de religioso e sacerdote. Nossas tradições religiosas, a cultura de nosso povo amazônico, tudo se eleva hoje como oferta no Altar do Senhor.

A Arquidiocese de Belém do Pará se alegra sobremaneira pelo amor infinito de Deus, que nos concede o novo Bispo, para cerrar fileira comigo e com Dom Irineu Roman no serviço ao povo que nos é confiado, a Igreja, esposa de Cristo. Todos estamos santamente orgulhosos porque Deus escolheu um filho da terra paraense para o Episcopado.

Ao dirigir-se à Arquidiocese de Belém, no dia de sua nomeação, 28 de junho de 2017, assim se expressou nosso irmão Monsenhor Antônio: “Deus me fez uma grande surpresa dando-me uma séria e exigente missão! Essa notícia me causou um forte impacto emocional. Minha primeira reação foi aquela impulsiva de questionar: por que eu?  Um forte sentimento de medo e ansiedade tomou conta de mim! Todavia, com discernimento e oração, também emergiu em mim a consciência vocacional e, com ela, o sentimento de confiança, de esperança, de serenidade e de gratidão. Sou consciente da minha pequenez, de ser pecador e estar carregado de fragilidades, mas creio firmemente que a Misericórdia Divina é infinitamente maior do que tudo! Por isso, à Bondade Divina confio minha vida que ousou, por sua graça, me chamar para esse nobre serviço à Igreja, povo de Deus, em vista da promoção do Reino de Deus. Creio que Aquele que me chamou desde o ventre materno para ser seu servo,[1] por sua pura bondade [2] também continuará me dando os meios necessários para que eu possa servir com alegria, generosidade e ardor à nossa Igreja. Dela sou servo por vocação, não por mérito pessoal!”

Aqui estamos, caro Monsenhor Antônio, em terras do Padre Bira, para testemunhar a graça de Deus em sua vida. De fato, os desafios do tempo presente parecem desproporcionais à nossa capacidade. Jesus, na oração sacerdotal, estava preocupado com os discípulos que com ele saíam do Cenáculo, para atravessar a torrente do Cedron. Eles deveriam enfrentar o mal existente no mundo, onde o espírito da mentira vai contra a verdade, que é o próprio Cristo. A posição dos discípulos é muito delicada: devem permanecer no mundo, sem ser por ele contaminados. Seu sustento é a oração de Jesus, sua Palavra e seu Espírito. No dizer de Santo Agostinho,[3] “o que quer dizer ‘por eles eu me consagro’, senão que eu os santifico em mim mesmo, enquanto eles são eu mesmo? De fato, ele fala daqueles que são membros de seu corpo”. O discípulo para o qual o Senhor voltou seu olhar misericordioso e no qual Ele mesmo quer se fazer presente se chama Antônio. Nomeado Bispo, foi-lhe dito que a partir dali não teria mais agenda, tinha que mais uma vez deixar tudo, para de novo entender o que significa agir na pessoa de Cristo! Você entendeu que, consagrado a Deus, é chamado à santidade, mas pelos irmãos. Você sabe que não está galgando degraus de uma carreira, mas entregando tudo por amor a todos os irmãos e irmãs que encontrar. Você é feito profeta, para levar o Evangelho a todos. Seja santo, consagrado, por amor!

Ninguém pode se arvorar o direito do Episcopado, a não ser que seja chamado, num ato livre de amor da parte de Deus, na mediação da Igreja. Monsenhor Antônio, caros irmãos e irmãs, sabe do mistério com o qual Deus tocou sua vida. O Evangelho que ouvimos ressoa em seu ouvido e em seu coração: “Não fostes vós que me escolhestes; fui eu que vos escolhi e vos designei para dardes fruto e para que o vosso fruto permaneça”.[4] O que a Igreja e todos nós esperamos dele é a disponibilidade total para o serviço do Evangelho, e os frutos virão, pela graça de Deus!

Desejamos que ele permaneça no amor, para ser  pastor! A medida do amor que Deus derrame no coração do novo Bispo e também de todos nós está numa palavra tão breve quanto importante: “Como”. A medida está no Céu, na vida da Santíssima Trindade, e não aqui na terra. Amar como Jesus amou, amar por primeiro com o amor que ele trouxe da eternidade, amar como a si mesmo, amar sem medidas, amar a todos, amar os inimigos, cultivar o amor recíproco, fazer-se um com todos, enfim, dar a vida, sem reservar nada para si. Há de ser construtor de um novo relacionamento entre as pessoas, o homem da convivência, da iniciativa. Basta constatar o que Deus já fez em sua vida. Os primeiros dias de convivência em Belém, desde sua chegada, têm testemunhado o trato pessoal, guardando nomes, recordando contatos anteriores, porque sabemos que veio para amar! Um rosto e um jeito de ser muito salesiano! Servo por amor!

Trata-se de um belo programa de vida, que São João Paulo II expressou de forma magnífica: “Fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão: eis o grande desafio que nos espera. Antes de programar iniciativas concretas, é preciso promover uma espiritualidade da comunhão, elevando-a ao nível de princípio educativo em todos os lugares onde se forma o homem e o cristão, onde se educam os ministros do altar, os consagrados, os agentes pastorais, onde se constroem as famílias e as comunidades. Espiritualidade da comunhão significa em primeiro lugar ter o olhar do coração voltado para o mistério da Trindade, que habita em nós e cuja luz há de ser percebida também no rosto dos irmãos que estão ao nosso redor. Espiritualidade da comunhão significa também a capacidade de sentir o irmão de fé na unidade profunda do Corpo místico, isto é, como “um que faz parte de mim“, para saber partilhar as suas alegrias e os seus sofrimentos, para intuir os seus anseios e dar remédio às suas necessidades, para oferecer-lhe uma verdadeira e profunda amizade. Espiritualidade da comunhão é ainda a capacidade de ver antes de tudo o que há de positivo no outro, para acolhê-lo e valorizá-lo como dom de Deus: um “dom para mim”, como o é para o irmão que diretamente o recebeu. Por fim, espiritualidade da comunhão é saber “criar espaço para o irmão”, levando “os fardos uns dos outros” [5] e rejeitando as tentações egoístas que sempre nos insidiam e geram competição, arrivismo, suspeitas, ciúmes. Não haja ilusões! Sem esta caminhada espiritual, de pouco servirão os instrumentos exteriores da comunhão. Revelar-se-iam mais como estruturas sem alma, máscaras de comunhão, do que como vias para a sua expressão e crescimento”.[6]

Para viver tudo, isso, só com a graça de Deus! E esta vem do alto, é unção do Espírito para a fecundidade espiritual, a fim de que o novo Bispo leve a boa nova aos humildes, cure as feridas da alma, pregue a redenção aos cativos e a liberdade aos que estão presos.[7]

Por isso, é de São João Damasceno a prece que queremos fazer em seu nome, caro irmão: “Tu me criaste, Senhor, do corpo de meu pai e me formaste no seio de minha mãe; tu me trouxeste à luz, criancinha nua, porque as leis da nossa natureza seguem perpetuamente os teus decretos. Com a bênção do Espírito Santo, ordenaste minha criação e existência, não por vontade do homem ou desejo da carne, mas por tua graça inefável. Ordenaste o meu nascimento com um cuidado superior ao das leis naturais; adotando-me como filho, conduziste-me à luz e me incluíste entre os discípulos da tua Igreja santa e imaculada. Tu me alimentaste com o leite espiritual de tuas palavras divinas. Tu me sustentaste com o alimento sólido do corpo de Jesus Cristo, nosso Deus, teu santíssimo Unigênito, e me inebriaste com o cálice divino do seu sangue vivificante, derramado pela salvação do mundo inteiro. Ó Cristo, meu Deus, te humilhaste, levando-me em teus ombros como ovelha perdida, e me apascentaste em verdes pastagens; tu me refizeste com as águas da verdadeira doutrina por meio de teus pastores que, alimentados por ti, alimentam por sua vez o teu nobre e escolhido rebanho. Agora me chamas, Senhor, pela imposição das mãos de teu pontífice para servir os teus discípulos. Não sei por que razão me escolheste; só tu sabes. Torna, Senhor, mais leve o peso de meus pecados. Purifica minha inteligência e meu coração. Sê para mim como uma lâmpada luminosa que me conduz pelo caminho reto. Dá-me palavra fácil e concede-me uma linguagem clara e fluente, mediante a língua de fogo de teu Espírito, a fim de que tua presença sempre me assista. Sê meu pastor, e pastoreia comigo, Senhor, para que meu coração não se incline nem para a direita nem para a esquerda; que o teu Espírito bom me conduza pelo caminho reto e as minhas obras se realizem segundo tua vontade, até à última delas”.[8]

Como Jesus manifestou aos seus discípulos na última Ceia, tudo isso é dito para que nós todos, junto com o novo Bispo, tenhamos a perfeita alegria. [9] Nós desejamos que, feito servo do Senhor por amor, [10] seu ministério seja repleto de felicidade e santidade, caro irmão![11]

[1] Cf. Is 49,1
[2] Cf. Gl 1,15
[3] Cf. Lectio divina per ogni giorno dell’anno, Queriniana, Brescia, 2002, pag. 404
[4] Jo 15,16
[5] Gl 6,2
[6] Novo millenio ineunte 43
[7] Cf. Is 61,1-3
[8] Da Exposição sobre a Fé, de São João Damasceno, presbítero (Cap. 1: PG 95, 417-419 – Séc. VIII)
[9] Jo 15, 11-17.
[10] Cf. Jo 15,15
[11]Simbolismo das insígnias acenado na Homilia em itálico: Unção do Espírito – Óleo do Crisma; Anúncio profético da Palavra de Deus: Evangelho; Cuidar da Igreja, esposa de Cristo: Anel; Santidade: Mitra; Pastoreio: Báculo

 

Dom Alberto Taveira Corrêa

Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará