SINAL DE CONTRADIÇÃO

Celebramos com a Igreja, neste final de semana, a Apresentação do Menino Jesus no Templo, no cumprimento das profecias que anunciavam sua visita lugar de culto dos judeus. É claro que a Visita se amplia a todos aqueles homens e mulheres que o acolhem. Sinal importante da recepção na fé daquele que veio como luz para todas as nações é a figura de Simeão, um ancião justo e piedoso no qual não tinha se apagado a luz da esperança. Tomou o Menino nos braços e proclamou o cântico que a Igreja repete todos os dias na oração da noite: “Agora, Senhor, segundo a tua promessa, deixas teu servo ir em paz, porque meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória de Israel, teu povo” (Lc 2, 29-32). Até o fim dos tempos, os cristãos encerrarão um dia depois do outro proclamando ter visto a luz da salvação!

O mesmo Simeão se voltou para Maria, Mãe de Jesus, para fazer-lhe um anúncio profético: “Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe: ‘Este menino será causa de queda e de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição – uma espada traspassará a tua alma!’ – e assim serão revelados os pensamentos de muitos corações” (Lc 2,34-35). Antes, um Anjo lhe fizera o primeiro anúncio. Agora, trata-se do anúncio da dor, vindo daquele Ancião cheio de sabedoria. As duas realidades caminham juntas e não nos é lícito enganar-nos, como a dizer que não experimentaremos o mistério da dor e da contradição. É bom tomar consciência que que a nossa fé é pascal, conduzindo-nos a passar continuamente da morte para a vida, da tristeza para a alegria, do pecado para a graça.

Ainda nestes dias a Liturgia nos oferece a narrativa do confronto de Jesus com pessoas que tinham convivido com ele em Nazaré, gente que agora se sente ferida com sua palavra e sua presença, a ponto de querer lançá-lo no precipício. Cumpre-se a profecia feita a Maria de que seu Filho viria a ser sinal de contradição, ao mesmo tempo que revelaria os pensamentos de muitos corações! Também aqui se confirma, no decorrer dos séculos, o mistério da dor e da contradição existente na história das pessoas, da Igreja e da Sociedade.

Atenho-me a valorizar, em primeiro lugar, uma presença constante e sempre provocadora existente em nossa história eclesiástica na Amazônia, a vida religiosa, cujos representantes se apresentam, a cada início de fevereiro de cada ano, louvando a Deus pela própria vocação e missão, como fazem em Missa solene na Basílica de Nazaré, diante do Arcebispo de Belém. Não poderíamos nem mesmo imaginar o que seria de nossa história de Arquidiocese e da Amazônia sem a valorosa presença de religiosos e religiosas que derramaram sangue, suor e lágrimas para anunciar a Boa Nova do Evangelho de Jesus Cristo em benefício de gerações, na educação, evangelização direta, obras sociais, promoção humana, formação de lideranças e também vida contemplativa. Foram Ordens e Congregações religiosas masculinas que carregaram por séculos a responsabilidade de tantas Prelazias, pouco a pouco erigidas em Dioceses, edificando templos e edifícios para todos os serviços religiosos e sociais. Congregações femininas aqui aportaram, assumindo a tarefa da educação, com Colégios que deixaram e deixam sua marca na Sociedade. Nos últimos anos, só de pensar numa das muitas pastorais estimuladas pelas religiosas, a Pastoral da Criança, já é possível reconhecer e valorizar o que tem sido feito. Sinais de vida e de esperança, mas também sinais positivos de contradição, por viverem valores do Reino de Deus, tantas vezes questionados e combatidos! Tanto que a história da vida religiosa em nossa região tem o registro do sangue de mártires que se entregaram por causa do Evangelho.

Entretanto, também fatos recentes nos abrem os olhos para o sinal de contradição que é Jesus Cristo e o Evangelho. Mais uma vez o Brasil assistiu uma tragédia, ao lado das muitas que o cotidiano apresenta, com o rompimento de uma Barragem no Município de Brumadinho, em Minas Gerais, bem próximo do local em que fui Pároco, antes do chamado ao episcopado, região por mim muito conhecida. E a contradição se encontra justamente na força com que a Igreja tem anunciado a necessidade de prevenção de acidentes, prioridade a ser dada à vida humana, superação da ganância desenfreada do lucro e respeito ao meio ambiente. E dentro de algumas semanas, mais uma vez de modo profético, a Igreja no Brasil lançará uma nova Campanha da Fraternidade, com o Tema “Fraternidade e Políticas Públicas” e o lema “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27). Interessante que o texto base da Campanha da Fraternidade assim assevera: “Falar de políticas públicas não é falar de política ou de eleições, mas significa referir-se a um conjunto de ações a serem implementadas pelos gestores públicos, com vistas a promover o bem comum, na perspectiva dos mais pobres da sociedade. Refletir sobre políticas públicas é importante para entender a maneira pela qual elas atingem a vida cotidiana, o que pode ser feito para melhor formatá-las e quais as possibilidades de se aprimorar sua fiscalização” (Texto-base da CF 2019, 13-14).

Nós somos cidadãos e cidadãs, como todas as outras pessoas, independentemente da condição social, religiosa e política. Cabe-nos manter o espírito crítico, lutar para que as políticas de defesa da natureza e do meio ambiente sejam mantidas, justamente por causa do amor às pessoas humanas, pela força do Evangelho que nos ilumina e abre caminhos para a colaboração com tantas outras forças da sociedade.

Não nos é lícito ficar omissos diante de desastres como aquele que aconteceu nos últimos dias, mas somos conduzidos a levantar nossa voz e arregaçar as mangas para a superação de todos os impasses gerados por este e outros fatos, assim como alertar as nossas autoridades para sua responsabilidade diante de riscos semelhantes em nossa região, bastando pensar nos projetos de grandes barragens e hidrelétricas previstas para a região amazônica, com todos os impactos possíveis, quando a dignidade das pessoas e os interesses mais legítimos das populações atingidas são menosprezados. Deus nos ilumine!

Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.

Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.

Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.

Dom Alberto Taveira Corrêa

Arcebispo Metropolitano de Belém