Os apelos à conversão

“O tempo está próximo…É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida” (Lc 21, 8.19). Assim nos alerta o texto da Palavra de Deus que a Igreja nos oferece nestes dias finais do Ano Litúrgico (Cf. Lc 21, 5-19). Desde quando foram proclamadas pelo Senhor até hoje, estas palavras têm plena atualidade, exigindo atenção redobrada aos sinais dos tempos, sejam positivos ou negativos. O anúncio do Evangelho começou com um forte convite: “Depois que João foi preso, Jesus veio para a Galileia, proclamando a Boa Nova de Deus: ‘Completou-se o tempo, e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede na Boa-Nova’” (Mc 1, 14-15). Na última Ceia, é a Pedro que se dirige uma palavra forte, com o chamado permanente à conversão: “Simão, Simão! Satanás pediu permissão para peneirar-vos, como se faz com o trigo. Eu, porém, orei por ti, para que tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Lc 22, 32). No correr da história, o tempo que se cumpriu na chegada de Jesus continua completo e exigente. Não é possível arrefecer os esforços para uma vida nova, coragem para a missão, novo entusiasmo na ação evangelizadora. A Igreja, na qual somos “militantes” pela causa do Reino de Deus, acolhe de modo sempre atualizado o chamado de Jesus a uma conversão sempre mais profunda. Conversão significa mudança e ajuste de rota na caminhada, olhando para a meta, que é a realidade do Reino de Deus.

O Documento final do Sínodo dos Bispos, texto entregue ao Papa com as reflexões e propostas feitas durante a Assembleia Especial para a Pan-Amazônia, realizada no último mês de outubro, refere-se por bem quarenta vezes à conversão, palavra e atitude desde sempre acompanham a Igreja. Dizem os Bispos (Cf. Documento final do Sínodo, do qual recolhemos os apelos à conversão pastoral): como Igreja de discípulos missionários, suplicamos a graça da conversão que implica deixar brotar todas as consequências do encontro com Jesus Cristo nas relações com o mundo que nos rodeia (Cf. Laudato Si 21); uma conversão pessoal e comunitária que nos compromete a nos relacionar harmoniosamente com a obra criadora de Deus, que é a casa comum; uma conversão que promova a criação de estruturas em harmonia com o cuidado da criação; uma conversão pastoral baseada na sinodalidade, que reconheça a interação de tudo o que foi criado. Conversão que nos leve a ser uma Igreja em saída que entre no coração de todos os povos amazônicos. Assim, a única conversão ao Evangelho vivo, que é Jesus Cristo, poderá se desenvolver em dimensões interligadas para motivar a saída para as periferias existenciais, sociais e geográficas da Amazônia. Diante dos olhos e do coração, está sempre a Palavra de Jesus: “Se alguém não nascer da água e do Espírito, não poderá entrar no Reino de Deus” (Jo 3, 5).

A partir do chamado à conversão, a mudança de mentalidade e de vida exige transformações que deverão nascer de dentro e manifestar-se em atitudes diferentes, não só na Amazônia, mas também no conjunto da vida eclesial: uma Igreja em saída, o que exige uma conversão pastoral samaritana, em diálogo, acompanhando pessoas com rostos concretos, que pede uma espiritualidade de escuta e de anúncio. O dinamismo missionário que brota do amor de Deus se irradia, expande, transborda e se espalha em todo universo. “Estamos inseridos pelo batismo na dinâmica do amor através do encontro com Jesus, que dá um novo horizonte à vida” (Documento de Aparecida 12). Este transbordamento impele a Igreja à conversão pastoral e nos transforma em comunidades vivas, a serviço da evangelização. A missão assim entendida é da própria natureza da Igreja.

Queremos ser uma Igreja samaritana, encarnada no modo como o Filho de Deus se encarnou: “Tomou sobre si as nossas doenças e suportou as nossas dores” (Mt 8, 17b). Aquele que se fez pobre para nos enriquecer com a sua pobreza (2 Cor 8, 9), através do seu Espírito, exorta os discípulos de hoje a saírem ao encontro de todos. Desejamos também uma Igreja Madalena, que se sinta amada e reconciliada, que anuncie com alegria e convicção Cristo crucificado e ressuscitado. Uma Igreja mariana que gera filhos para a fé e os educa com afeto e paciência, aprendendo também com as riquezas dos povos. Queremos ser uma Igreja servidora, querigmática, educadora, inculturada, no meio dos povos que servimos.

A realidade pluriétnica, pluricultural, plurirreligiosa da Amazônia exige uma atitude de diálogo aberto, reconhecendo também a multiplicidade de interlocutores: os povos indígenas, ribeirinhos, camponeses e afrodescendentes, as demais Igrejas cristãs e outras religiões, as organizações da sociedade civil, movimentos sociais, o Estado, enfim todas as pessoas de boa vontade que buscam a defesa da vida, a integridade da criação, a paz e o bem comum.

A Amazônia é uma amálgama de credos, a maioria cristãos. Diante desta realidade, os caminhos de comunhão se abrem para nós com aqueles que fazem parte de outras confissões cristãs e, também, os que professam outras religiões. A centralidade da Palavra de Deus na vida de nossas comunidades é fator de união e diálogo. E o diálogo inter-religioso haverá de acontecer especialmente com as religiões indígenas e os cultos de matriz africana, que merecem ser conhecidas e compreendidas em suas próprias expressões. Juntamente com eles, os cristãos, com base na sua fé na Palavra de Deus e na plena fidelidade à Igreja, sem sincretismo, colocam-se em diálogo, partilhando suas vidas, suas preocupações, suas lutas, suas experiências de Deus, para aprofundar mutuamente sua fé e atuar juntos em defesa da “Casa Comum”.

Depois, a conversão pastoral se desdobrará em atitudes missionárias, com o envio em missão, inerente ao batismo, que é para todos os batizados. Por ele todos nós recebemos a mesma dignidade de filhos e filhas de Deus, e ninguém pode ser excluído da missão de Jesus aos seus discípulos. “lde pelo mundo inteiro e proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15). Por isso acreditamos que é necessário gerar maior impulso missionário e vocacional em nossa região, como expressão do zelo evangelizador. Abre-se o campo pastoral, para uma atenção aos indígenas, aos jovens e de modo especial à grande realidade da urbanização, evangelizar a cidade e a cultura urbana, alcançar e modificar com a força do Evangelho os critérios de julgamento, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes de inspiração e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e o projeto de salvação (Cf. Evangelii Nuntiandi 19). Tudo só pode nascer de Jesus Cristo morto e ressuscitado, caminho, verdade e vida! Acolhamos os novos apelos à conversão, atentos aos sinais de Deus em nosso tempo.

Presidente da Fundação Nazaré de Comunicação, também é apresentador de programas na TV e Rádio e articulista de diversos meios impressos e on-line, autor da publicação anual do Retiro Popular.

Enquanto Padre exerceu seu ministério na Arquidiocese de Belo Horizonte – MG: Reitor do Seminário, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pároco em várias Paróquias, Vigário Forâneo, Vigário Episcopal para a Pastoral e Capelão de Hospital.

Foi Bispo Auxiliar de Brasília, membro da Comissão Episcopal de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal Latino – Americano – CELAM. Tomou posse como primeiro Arcebispo Metropolitano de Palmas – TO. Atualmente o 10º Arcebispo Metropolitano de Belém.

Dom Alberto Taveira Corrêa

Arcebispo Metropolitano de Belém